Sinopse: “Rosa e Momo” conta a história de uma sobrevivente do Holocausto e dona de uma creche caseira que abre suas portas para o garoto muçulmano que a roubou na rua.
Direção: Edoardo Ponti
Título Original: La Vita Davanti a Sé (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 34min
País: Itália
Realismo Velho
“Rosa e Momo” é uma interessante tentativa de atualização de narrativa, quase uma passagem de bastão de uma cinematografia italiana clássica, representada na figura icônica de Sophia Loren. Poderíamos estender essa leitura para outras manifestações artísticas do país, afinal, a canção “Io Si”, da veterana Laura Pausini é o carro-chefe da trilha sonora. Contudo, há um dubiedade nas intenções do cineasta genovês Edoardo Ponti, apenas em seu terceiro longa-metragem em vinte anos. Por sinal, muito parecido com algumas produções audiovisuais brasileiras contemporâneas. Até que ponto movimentar estrategicamente elementos representativos traz frescor a uma obra – e até que ponto é apenas uma reprodução que fica no meio do caminho, para agradar a todos (e geralmente não atingindo quase ninguém)?
A experiência de assistir a essa produção disponibilizada no catálogo da Netflix é uma queda de braço entre sensações. Madame Rosa é uma judia, sobrevivente do Holocausto, que tem uma capacidade de empatia acima da média para os tempos modernos. Contudo, não esquece que, de certa forma, a xenofobia é uma característica enraizada de toda sociedade, principalmente as do Velho Mundo. Então, ela ajuda um adolescente de doze anos, Mohamed (Ibrahima Gueye, em excelente trabalho). Ele chegou à Itália com apenas três anos de idade, vindo do Senegal com a família – e ela decide recebê-lo em sua creche temporariamente.
Momo nunca foi tratado como italiano – e sua consciência precocemente amadurecida sabe que não será jamais. A questão racial amplifica as diferenças de oportunidade e ele procura aplicar todos os mecanismos de defesa possíveis. Conhece Rosa furtando antigos castiçais, que a senhora pretende vender para conseguir melhorar um pouco a qualidade de vida. O panorama que o texto de Ugo Chit traz permite ao espectador traçar essas conexões, sem, contudo, se envolver plenamente com elas. Trata-se de uma adaptação do livro de 1975, lançado sob o pseudônimo Émile Ajar, do escritor francês Romain Gary, falecido em 1980. Aos 84 anos, a presença solar de Loren naturalmente nos encanta. Revisitando a personagem vivida por Simone Signoret na primeira versão da obra (“Madame Rosa – A Vida à Sua Frente“, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1978), ela precisa de pouco esforço em um filme de pouca carga dramática.
Ouça a música “Io Si”, de Laura Pausini:
Isso porque “Rosa e Momo” telegrafa suas intenções. Abre com um prólogo de pouco mais de um minuto em que o jovem surge em uma situação-limite não revelada por completo. Ele quer voltar no tempo e agir diferente da série de eventos que o levou até ali. Com isso, unindo a trama que reitera o preconceito sofrido por ele de todas as formas, a falta de perspectiva e oportunidade, atingimos uma fórmula que usa a configuração do elenco como única ferramenta de atualização.
Edoardo Ponti explora o clássico quando pode – mas não vai a fundo, não se assume assim, como fez Pietro Marcello em “Martin Eden” (2019), por exemplo. É o amarelo predominante na fotografia, que usa o sol que entra pela janela da casa de Rosa; são as zonas periféricas das históricas vielas italianas como paisagem constante. Toda a modernidade possível é usava com moderação: o rap surge como um acessório em alguns momentos, ao passo em que Sophia Loren surge dançando “Malandro”, samba de Elza Soares – uma cena que nos faz pensar se voltamos aos anos 1960. Acaba se tornando um longa-metragem de foco total na história – e essa, adaptando uma produção literária de mais de cinquenta anos – parece se erguer quase como uma reciclagem de assuntos.
Com isso, temos o arco do adorável menino que vive aprontando pelas ruas (os pequenos golpes o fazem ganhar uma posição como pequeno vendedor de drogas) e a senhora que se depara com a inapelável chegada das consequências da velhice, enquanto lembra dos traumas dos campos de concentração nazista. Há química entre os atores, mas apenas isso não basta. Não por acaso fez pouco barulho até chegarem as duas indicações ao Globo de Ouro (de filme em língua estrangeira e de canção, para aquela de Laura Pausini). Só a associação de correspondentes estrangeiros de Hollywood (boa parte em Los Angeles desde os tempos do Neorrealismo) para elencar uma produção tão envelhecida, sob vários aspectos, na lista de melhores do ano.
O que poderia ser aquela passagem de bastão se torna um programa quase esquecível. Ao não se decidir por uma reconfiguração ou pelo mergulho no saudosismo, “Rosa e Momo” é perfeito para aqueles que desejam terminar a sessão lembrando das vezes em que o cinema italiano nos emocionou – uma provocação para criarmos listas e nos reencontramos com um passado glorioso, que o catálogo do serviço não comporta.
Veja o Trailer: