Sinopse: Em uma terra banhada de sol, durante a maior seca que o sertão nordestino já viveu, A menina Rosa mergulha em uma longa travessia pela caatinga árida e fantasiosa, em busca de um encontro com nossa senhora Imaculado, a rainha do sertão. Com um tom perspicaz, a trama é envolvida por um amalgama de fatores que, na aridez da paisagem retratada, torna-se fertilizante para a compreensão do drama humano, a partir do olhar da pequena protagonista.
Direção: Rogério Sagui
Título Original: Rosa Tirana (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 12min
País: Brasil
O Último Romântico
“Rosa Tirana” é o retorno ao clássico em oposição ao vanguardismo quase inerente à Mostra Aurora. Por vezes, o filme de Rogério Sagui nos faz lembrar um dos grandes sucessos de crítica do ano passado. “Sertânia” foi apontado por muitos como um dos melhores do ano porque trazia essa atmosfera de resgate de uma narrativa do sertão brasileiro. Contudo, aqui estamos diante de um jovem realizador, que faz suas escolhas de linguagem e estética para ser, ainda, um novo rosto.
O que para muitos é a apresentação da carreira de Rogério na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes com seu alcance avassalador nos primeiros dias do evento, talvez esconda que – por trás de um tradicionalismo, de um flerte com um cinema brasileiro agora distante de um festival como esse – há algumas atualizações de discursos. Mesmo que não chame a atenção em um primeiro momento e nem seja destaque na construção da obra, ele está lá.
Contudo, é importante registrar que “Rosa Tirana” desperta essa revisitação de produções canônicas do nosso audiovisual. E isso pode trazer uma mistura de sensações. O realizador, formado em Serviço Social, representando Poções no Estado da Bahia, prima por um referencial que pode, ao mesmo tempo, deslumbrar e desapontar olhares. O deslumbramento também é um pouco de alumbramento. O diretor constrói (ou refaz) imagens que intrinsicamente se conectam a um pedaço de Brasil consolidado enquanto um ideal. Capta paisagens e caracteriza personagens da maneira que imaginamos ser, se ainda muito bonito, talvez pouco desafiador.
A caatinga já foi pano de fundo de diversas narrativas e percorreu todos os momentos do cinema brasileiro. Da Era dos Estúdios que higienizava representações, passando pelo Cinema Novo que trouxe o olhar que unia o político e o místico, até chegar na Retomada – que de certa forma também retomou aquela romantização do território. Rogério Sagui poderia ser, então, o último romântico, pois se vale dessas bases fundantes para atrair olhares para seu filme.
A figura conhecida de José Dumont, a ritualização de um sofrimento causado pela seca e o exercício de fé de ícones como Frei Damião e Padre Cícero são algumas das ferramentas do filme. Dá para se conectar com a textura de “Rosa Tirana”, sem dúvida, já que passamos a vida revendo essas representações. Por isso, não será exagero encontrar quem não se apaixone pelo filme. Assim como o tradicionalismo de Sarno no ano passado, temos aqui um exemplar de uma poética estilizada, pensada na estética desde as cores até o figurino.
Dito isso, a segunda metade da obra consegue sair dessa armadilha do referencial. A protagonista, interpretada pela menina Kiarah Rocha, vai aos poucos se transformando em um elemento transitório de vários espaços que configuram o panorama do sertão nordestino. É como se ela vivesse seu país das maravilhas acordada, entre folguedos e procissões. À espera da água que vem dos céus, na benção de Nossa Senhora Imaculada, ela passeia por toda a simbologia.
Fica a lição para aqueles que ainda não acreditam nas manifestações culturais artísticas do país: não precisamos importar o lúdico, temos vias para contas nossas próprias histórias. Por mais que soe como uma retorno ao exotismo nas narrativas clássicas, “Rosa Tirana” só existe porque o país, enquanto público, ainda não decolonizou seu olhar e ainda não superou as leituras reducionistas de si e da nossa sociedade. É preciso, portanto, revisitar e propor novamente que olhemos para dentro.
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