Sinopse: Em “Saída à Francesa”, Frances (Michelle Pfeiffer) é uma socialite viúva sem dinheiro de Manhattan cujo marido morreu há quase duas décadas. Com sua herança, ela ganha o último de seus bens e resolve viver…
Direção: Azazel Jacobs
Título Original: French Exit (2020)
Gênero: Comédia | Drama
Duração: 1h 53min
País: Canadá | Irlanda | Reino Unido
Perdulária de Ampulheta
Se há uma premissa na viagem a qual somos levados em “Saída à Francesa” é a de que não existe rico maluco. Rico é excêntrico. Uma forma de leitura das desventuras burguesas que o diretor Azazel Jacobs transforma em um dos filmes mais deliciosamente esquisitos da temporada. Bem que um balão de ensaio na forma de lobby para uma indicação a Michelle Pfeiffer como melhor atriz foi identificado, o que colocou o longa-metragem em pré-listas há alguns meses. Porém, foi apontada como uma das melhores apenas no (cada vez mais) tóxico Globo de Ouro – e fazia sentido o investimento, seu trabalho se destaca aqui. Ela já admitiu em entrevistas que esse foi um dos grande papéis da sua carreira.
A obra conta a história de Frances, uma mulher que vive a entediante rotina de uma socialite quebrada. Ou seja, nunca o suficiente para por em risco suas regalias de um apartamento em Manhattan, mas nunca satisfeita a ponto de entender sua vida como completa. Viúva há duas décadas, ela carrega uma marca: a de que demorou a pedir socorro quando encontrou seu marido moribundo na cama. A justificativa que ela deu ao filho, Malcolm (Lucas Hedges) é a de que a alma do falecido estava se transferindo para um gato preto que havia surgido imotivadamente no quarto. Esta, talvez, seja uma das passagens menos loucas da produção canadense, em que Patrick DeWitt adapta em roteiro seu próprio romance – e falaremos pouco dos desdobramentos, pois é parte fundamental da experiência se surpreender com elas.
Há um pouco do italiano “Fábulas Ruins” na condução de “Saída à Francesa” e também na grande provocação por trás dessa alegoria burguesa: assistir aquelas pessoas firmes em seus propósitos (por mais absurdos que sejam), naturaliza comportamentos. Porém, sempre chegam os momentos em que alguns deles refletirão sobre estas atitudes. Ao vê-los se questionando, o espectador tem a chance (e o poder) de fazer o mesmo – desde que tenha depositado voto de confiança ao longo da experiência da sessão, claro.
A mistura de drama e comédia nos mantém alertas por não encontrar limites para o absurdo. Seguiremos os planos da protagonista, que acaba de receber a parte final de uma herança que nem em suas mais perdulárias atitudes parecia ter fim, a despeito de sua casa exalar decadência na mobília e no figurino. Ela decide viajar com Malcolm para Paris, onde torrará seus euros finais antes de sair de cena – de preferência à francesa, como diz o título. Assim, as associações de Frances com os personagens que vão se empilhando em cena não possuem profundas motivações. Ao contrário da maioria de humanos que tendem a buscar sentido em seus comportamentos – ou projeta interesses no dos outros – Pfeiffer vive uma mulher que só não quer que lhe encham o saco.
O que deveria ser o contraponto enquanto convocação para a realidade é um jovem que não oferece qualquer resistência. Seu filho acata passivamente a liderança da mãe, a ponto de deixar para trás em noivado quase consolidado com Susan (Imogen Poots). Jacobs faz uma composição cênica carregada de sobriedade, deixando que as marcantes características do grupo de pessoas que vão se juntando a Frances ocupe nossa atenção. Mesmo assim, traz alguns elementos para além das atuações, algo fundamental para uma obra que alia a excentricidade com as emoções contidas. Na cena em que Malcolm desconversa sobre o anúncio do noivado para a mãe a Susan, por exemplo, a moça está com um copo cheio à mesa, enquanto o rapaz, mais do que com o copo vazio, está virado, quase como se materializasse o quanto cada um está disposto a investir naquele relacionamento.
São poucos, mas interessantes, os diálogos visuais que o cineasta oferece e é parte da diversão encontrá-los. Outra escolha que casa bem com a narrativa é a de trazer as origens desses personagens através das conversas. Não somente porque o recorte temporal preciso não dá espaço para a quebra de linearidade. Mas, também, porque a ausência de verossimilhança tornam essas histórias nonsense ainda mais divertidas se forem partilhadas em paralelo aos acontecimentos. Há momentos em que o silêncio constrangedor é o suficiente, há vezes em que o riso preso parece querer quebrar a quarta parede – algo que o diretor brinca quase ao final.
O terço final do longa-metragem parece reviver os desencontros, reencontros e novos encontros das obras mais inspiradas de Woody Allen. Bem menos preso a relacionamentos amorosos mal resolvidos, por sinal. Pfeiffer aos poucos vão nos fazendo entender que há uma dose de culpa em Frances, que renegou a maternidade em uma época – e diante de uma sociedade – que romantizava ainda mais esta relação com os filhos. Nos envolvemos com ela e conseguimos, mesmo que a partir de suas intenções, observar uma mulher correndo para saltar de um abismo e que – quase no limite dos seus pés – pensar em recuar. “Saída à Francesa” é tal qual o mundo à nossa volta: uma festa estranha com gente esquisita. O que Frances gostaria de fazer é, apenas, ter a chance de decidir a hora de parar. E vazar.
Veja o Trailer: