Sample

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Sinopse: O curta-metragem “Sample”, de Ana Julia Travia, parte do encontro de dois jovens que se apaixonam para pensar a história preta na cidade de São Paulo.
Direção: Ana Julia Travia
Título Original: Sample (2018)
Gênero: Romance
Duração: 15min
País: Brasil

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Ouça-me

O curta “Sample”, de Ana Julia Travia, já passou pela Mostra Itinerante de Cinemas Negros Mohamed Bamba, em Salvador, pela II Mostra de Cinema Negro Brasileiro, em Curitiba e pelo 30º Festival de Curtas Metragens de São Paulo, chega agora à Mostra Amorosa de Cinema On-Line, que ocorre até 28 de junho de 2020.

A dança preta em frente ao Teatro Musical de São Paulo ao som de Tássia Reis faz-se deslocada (acostumem-se, os deslocamentos ocorrerão cada vez mais). A atriz e dançarina, que parece preparada para uma festa na Aparelha Luzia, escolhe esse espaço simbólico de arte clássica e branca para performar a SUA arte. Por qual motivo a arte negra não entra em alguns espaços e, quando entra, aparece caricaturada e curada – trocadilho involuntário, mas que muito nos diz –  por um corpo branco?

A criação do MNU, naquele mesmo local , há mais de 40 anos, só nos mostra como a espacialidade da cidade ainda é configurada segundo os mesmos recortes. Lembro-me de ter visto a um show de Luiz Melodia em uma Virada Cultural de São Paulo com uma plateia majoritariamente branca. Ainda que ache extremamente importante ocupar esses espaços, os artistas vêm mostrando que a arte negra resiste, criando seus espaços de resistência, como o próprio Aparelha.

Depois desse ato inaugural, Travia rememorara a história de amor entre dois jovens pretos em São Paulo. Ao contar como se conheceram, acompanhamos também o sufocamento da população preta na cidade. Os migrantes africanos, que procuram o Brasil como solução, também têm sua vez falar. Em geral, o Brasil recebe muito bem aos migrantes de outros países e continentes, exceto africanos, árabes e latino-americanos que fazem parte de um território no qual os traços indígenas ainda permanecem muito fortes. Caso não tenha ficado evidente a questão central entre esses casos, deveria.

O começo de “Sample” é impactante justamente para chamar atenção ao concreto, cotidiano e dilacerante racismo que movimenta as placas tectônicas desse país. A música “Ouça-me” de Tassia Reis é um grito, não mais dado depois do açoite, mas reverberado nas artes multiplicadoras de sentidos e sentimentos que uma nova geração se propõe a experienciar.

Os pretos precisam ter cuidado ao sair, ao caminhar, ao circular pela cidade. Encontrar um amor no meio disso tudo é quase um sopro de esperança. Se “a Liberdade devia se chamar Pelourinho” , faremos com que recordem o passado pela circulação de nossos corpos.

Enfim, é mesmo no Quilombo Urbano Aparelha Luzia que o casal do filme se conhece. A dançarina e atriz Érica Ribeiro, já reconhecida pelo público infantil por sua apresentação no programa da Discovery Kids, Zoo da Zu, mostra sua versatilidade e aparece como uma das mais interessantes vozes negras no campo artístico.

Travia também consegue conjugar ativismo a uma simples história de amor. Mas, não tão simples assim. “Amor preto salva”, como vários corpos picham nas paredes das cidades brasileiras. Já vi nas do Rio, de Salvador, de São Paulo, de BH…  No entanto, “Amor preto salva” quando os dois entendem as questões afrocentradas do parceiro. “Salvar”, é olhar o outro e entender suas dúvidas, seus questionamentos e suas feridas abertas. A cura vem em conjunto. Não significa jogar no outro a responsabilidade de curar tudo o que precisa ser curado, mas olhar para o lado e ver alguém capaz de compreender seu corpo.

Que “Sample” ainda rode bastante por outros espaços e cidades mostrando o amor preto que salva no processo do autoconhecimento.

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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