Sem Remorso

Sem Remorso Crítica Filme Tom Clancy Amazon Pôster

Leia a crítica de “Sem Remorso”, estreia da semana no Amazon Prime Video.

Sinopse: Em “Sem Remorso”, um agente da CIA busca vingança depois de sua namorada ter sido morta por um traficante de Baltimore.
Direção: Stefano Sollima
Título Original: Tom Clancy’s Without Remorse
Gênero: Ação | Aventura | Thriller
Duração: 1h 49min
País: EUA

Sem Remorso Crítica Filme Tom Clancy Amazon Imagem

Inteligência Estagnada

A contribuição de Tom Clancy para o audiovisual e à arte do videogame (seja qual o número você queira dar a ela) segue gerando bons produtos nas duas, digamos, plataformas. O escritor e historiador, falecido em 2013, soube não apenas trazer as questões supranacionais latentes no período da Guerra Fria como as atualizou em todo o processo que o seguiu, culminando com a Guerra ao Terror e, sabe-se lá, qual nome daremos a este conjunto de fatos em análises futuras. O Amazon Prime Video colocou o portfólio do autor como um dos focos do serviço e lançou, na última semana, “Sem Remorso“.

Estrelado por Michael B. Jordan, um dos atores mais populares da atualidade, o filme conta a história de John Kelly, um agente da CIA que participa de uma missão de resgate na Síria. Três meses depois, todos os profissionais envolvidos naquela viagem são mortos em um ataque coordenado. Mas, na casa dele, a vítima é Pam (Lauren London), mulher do agente que estava grávida. Uma história movida pela vingança e o esclarecimento sobre o assassinato de entes queridos, que poderiam levar a uma produção carregada de fórmulas.

O diretor italiano Stefano Sollima, então, foge de escolhas que levariam “Sem Remorso” ao caminho óbvio. Em seu primeiro longa-metragem desde “Sicário: Dia do Soldado” (2018), o cineasta opta pela linguagem gameficada das cenas de ação. São duas sequências grandiosas, em todos os sentidos, uma no prólogo e outra no clímax da obra. Nesses momentos, tudo o que envolve as imagens, todas as representações, parecem nos colocar em um dos ótimos jogos baseados na produção de Clancy. Uma transformação na carreira do escritor, que foi adaptado pela primeira vez nos cinemas em “A Caçada ao Outubro Vermelho” (1990) e encontrou popularidade parecida com a Dan Brown na década passada nos anos seguintes, quando Harrison Ford encarnou Jack Ryan, seu personagem mais famoso até então.

A reinvenção do texto de Clancy foi acompanhada pelas novas possibilidades das linguagens. Aqui pouco do John Kelly do conteúdo original é aproveitado, apenas o plot de buscar justiça pela namorada. Um projeto de filme que existe em Hollywood há quase trinta anos (e teve como primeiro intérprete um jovem Keanu Reeves, no ano em que ele estrelaria “Velocidade Máxima“, 1994). Não há como não mencionar a franquia “Rainbonw Six” – que deverá ganhar uma leitura tão caprichada quanto a série de Ryan na Amazon em breve.

A ação configurada pelo autor não é apenas um conjunto de referências e menções. Assim como o já mencionado Brown costura suas tramas com pesquisas históricas aprofundadas sobre os meandros do poder na Europa, toda obra de Tom nos confronta com o olhar do governo norte-americano sobre si. A guerra enquanto política estatal e atividade essencial para manter a ordem naquele território. Uma proposta de país que reverberou em boa parte das produções audiovisuais de ação desde o início dos anos 1990, quando ele despontou.

Poderíamos aqui respirar e trazer um parágrafo inteiro de referências que beberam nessa fonte. Ao transpor para os games as possibilidades pensadas por Clancy, a indústria encontrou a geração ideal para seu portfólio. Sedenta pela interatividade, munida de aparelhos de última geração, os gráficos cada vez mais realistas deram às pessoas a oportunidade de ser um agente anti-sistema, perfeito para o envolvimento na narrativa. Por outro lado, retornar à arte que (ainda) exige do público (certa) passividade de uma sessão de cinema se tornou ainda mais difícil. As comparações são inevitáveis.

O longa-metragem de Sollima segura bem os momentos em que a ação arrefece. Sem elencar em cansativos diálogos a forma como a Inteligência dos Estados Unidos nos impõe inimigos, a trama de um apagamento da realidade, um esgotamento da injustiça que pune novamente o protagonista se desenvolve com naturalidade. O espectador mais apaixonado, sedento por uma obra dinâmica e de ritmo intenso, não deverá gostar dessa quebra. Até porque “Sem Remorso” se bifurca, ele foge da unidade de estilo da gameficação e resgata um olhar mais dramatizado, próximo do audiovisual padronizado.

Não tem a intensidade de “300” (2006) de Zack Snyder, por exemplo, mas está longe de erguer relações interpessoais forçadas e representações de imagens que apenas nos enrolam como toda a filmografia que ele nos deu depois de “Watchmen” (2009) – e que torna preguiçosa qualquer revisitação do Universo Cinematográfico da DC.

A forma como John Kelly muda de uma busca por vingança por se entender como peça (descartável) no tabuleiro do poder, faz toda a velha alegoria de uma narrativa globalizada de Clancy, que nos leva a vários cenários como desculpa da ação, ainda mais interessante. Imaginar o protagonista dentro de um xadrez em que ele nunca ocupará uma posição de destaque torna a busca pelo heroísmo tão inocente dos anos 1990 mais atual.

Sem Remorso” nos mostra como o Ocidente precisa sempre fabricar inimigos, em constantes processos de polarização para deixar tudo como sempre esteve. Talvez por isso o maior acesso a informação tenha criado uma resistência maior à voz oficial, aumentando a sensação de crise social. Por fim, a obra é uma das poucas que não nos deixa revoltados quando se ergue enquanto “filme de origem”. Mas, se chegamos sem spoilers até aqui, vamos manter apenas a indicação a ele – e a tudo o que saiu da cabeça de Tom Clancy.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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