Sem Ressentimentos

Sem Ressentimentos Faraz Shariat Filme Crítica Mostra SP Pôster

Logo Mostra SP 2020Sinopse: Em “Sem Ressentimentos” Na noite de seu aniversário, Parvis rouba uma garrafa de bebida em uma danceteria. Porém, ele acaba pego e, como é filho de iranianos exilados, é obrigado a fazer trabalhos comunitários em um centro de refugiados na Saxônia, Alemanha, onde vive. Lá, ele se apaixona por Amon, que fugiu do Irã com a irmã, Banafshe. Juntos, os três curtem um verão com noites sem fim, primeiros amores, a força a juventude —e a percepção de que nenhum deles se sente plenamente em casa na Alemanha. Em um filme semi-biográfico, o realizador oferece uma visão sensível sobre imigrantes em terras alemãs.
Direção: Faraz Shariat
Título Original: Futur Drei (2020)
Gênero: Drama | Aventura
Duração: 1h 32min
País: Alemanha

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Cento e vinte horas de serviços comunitários para Parvis Joon (Benny Radjaipour). Com essa punição por furtar uma garrafa de bebia na boate, “Sem Ressentimentos” – vencedor do prêmio de melhor longa-metragem do Teddy Awards do Festival de Berlim (prêmio especial para obras com temática LGBTQIA+) – pune seu personagem principal. Chegando ao Brasil pela Competição Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme dirigido por Faraz Shariat, filho de imigrantes iranianos na Alemanha, é uma viagem autobiográfica que tem um forte mote: o eventual padrão de comportamento a ser adotado. Sai o jogo de culpa e flagelo dos oprimidos, entra o protagonismo geral e irrestrito. Um comando de ações que parece mais uma troca entre aquele ser ficcional e as projeções de realidade de seu criador.

Aceitar qualquer manifestação, orientação ou discurso do outro não nos torna imune às próprias escolhas. O cineasta parece ter plena consciência disso, eis que transforma sua narrativa em uma mistura de assuntos, abordados de formas sobrepostas, em ritmo tradicional. A fugacidade de uma ficada na noite com um cara flagrantemente xenófobo é um exemplo pinçado pelo roteiro. Se o cinema tem camadas ainda não sabemos, mas as pessoas têm – e descobri-las pode ser o suficiente para anula-las. O protagonista não parece insatisfeito com as maneiras de se relacionar com o mundo. Ele apenas busca um equilíbrio que não o faça ser nulo, no limiar entre se tornar acrítico e desrespeitoso.

O vínculo com a terra-natal de seus pais no Oriente Médio surge em vários momentos iniciais de “Sem Ressentimentos“. É a prova de que a bagagem ancestral, vez ou outra, irá se impor. Mesmo no cosmopolitismo da Alemanha urbana e moderna, Parvis encontra obstáculos para suprir a necessidade juvenil de acolhimento. Ser visto como parte de um grupo, não-hegemônico, pode facilitar sua transição por outros, é bem verdade. Essa é uma aplicabilidade que o cineasta se vale para o filme e para a jornada de seu protagonista. Com isso, marca elementos que os diferenciam, mas também aqueles que os unem, como o rap. Esgota dentro da narrativa os sentimentos dos imigrantes naquele espaço.

Até que Parvis fará uma viagem de resgate do que nunca teve. Tenta ser mais iraniano, mas – ao chegar no território onde seus pais nasceram – se comunicam com ele em inglês. Há determinado momento que alguém lhe diz que como é bom ele não precisar escolher. Aquele jovem é “muitas coisas”, como ele mesmo diz. Porém, a certeza de ser único ainda é um processo que os mais novos têm dificuldade de processar. O agrupamento de seres segue sendo visto como fundamental para nosso desenvolvimento. O bom é que o longa-metragem comprova que a busca, a reflexão interna, já pode ser o suficiente para nossa edificação.

Ao falar da relação com os pais do personagem, observa-se que Shariat aplica uma abordagem que flerta com o documental. Aos poucos, ele segue um expediente comum ao audiovisual atual, em que o desapego à narrativa não é um princípio. Opta-se pelo abandono, aqui de forma a adentrar na trilha da própria experiência do criador com imagens de arquivo. “Sem Ressentimentos” parece uma resposta automática de Faraz Shariat para aqueles que venham lhe questionar como ele entende as experiências pelas quais passou até agora em sua vida. A obra, se ampliarmos o olhar sobre sua conclusão, entrega um fim diferente, até mesmo mais natural. Fala do melhor assunto que temos quando as incertezas pairam sobre nós: o futuro. Aquele que pode ser imaginado, vislumbrado sem as amarras da sociedade e sem condicionamentos que, inconscientemente, criamos para nós mesmos.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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