Sessão Vila Rica | 16ª Cine OP

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Sessão Vila Rica | 16ª Cine OP | Foi um Tempo de Poesia

Organizando os Armários da Saudade

Encerrando nossa cobertura dos curtas-metragens da mostra contemporânea da 16ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, a Sessão Vila Rica reúne sete produções que contemplam boa parte das reflexões propostas pela curadoria. Aliando passado e afetos, em um sinal de força, criatividade e pluralidade do cinema brasileiro contemporâneo, os realizadores aqui abrem seus baús, organizam seus armários e nos contemplam com obras carregada de sentimentos em uma viagem intimista ao redor dessas vidas.

Iniciando a jornada, um grande ícone da cultura brasileira, Patativa do Assaré. “Foi um Tempo de Poesia“, de Petrus Cariry, resgata a captação de imagens realizadas por seu pai, Rosemberg Cariry, envolvendo o poeta, falecido em 2002. De plano, a constante transposição das lembranças ao tempo presente. O cineasta e também narrador, diz que nos anos 1980 “a prioridade era sobreviver“. Em tempos de uma pandemia que promove um longo isolamento social, enquanto consequência de um governo que jogou sua população à morte, a empatia desta fala de Petrus é imediata.

Contudo, o grande elemento do curta-metragem é a saudade, esta baseada nos laços familiares e afetivos. Patativa era padrinho do diretor, que reúne nessas imagens as suas próprias memórias – algumas perdidas no inconsciente. O olhar profissional de seu pai permite que sua construção na mensagem nos permita observar tanto o indivíduo quanto o território – e a relação entre eles. Um poeta com consciência de classe e que entendia necessária a quebra da ordem, certa desobediência ao poder institucionalizado/opressor. Essa viés de busca de emancipação do povo não deve ter sido tão marcante para o menino Petrus, que consegue ressignificar a figura do padrinho e ídolo para além da esfera particular.

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16ª Cine OP | Curta Fôlego

Fôlego” acaba tendo um peso maior pela relação pessoal de troca com a obra de Sofia Badim. Filha da atriz Solange Badim, que faleceu em 2017 após uma longa batalha contra um câncer, me identifico com a dor de revisitar arquivos que remontam à perda precoce da mãe. A montagem do curta-metragem reflete esse medo do reencontro, em uma aceitação que se inicia com um vídeo de Solange ao piano e depois uma foto, de quando Sofia era criança.

Esta imagem é trabalhada a partir de closes em partes dos corpos de mãe e filha, antes da revelação total de seus rostos. Ao fundo, os sons de uma mulher falando se confundem com os de uma máquina copiadora. Mais adiante, a respiração de quem encontra dificuldades de obter ar. O peso do curta-metragem está presenta nas reflexões de sua realizadora. Sentimos o lamento de uma criadora de imagens, histórias e poemas que não consegue desenvolver o poder de reescrever a sua realidade.

Quando uma mãe vai embora deste plano muito cedo, a ideia de que poderíamos ter feito e falar mais nos acompanha até a nossa morte. Salvo algumas exceções, o amor incondicional e a presença constante delas sempre nos fará projetar um futuro onde elas ainda estão aqui – e o que falariam ou fariam. Nos desdobramentos de nossa existência, este rompimento é o suficiente para tornar tudo o que vem depois diferente – e incompleto. No encontro de certidões, de nascimento e de óbitoslhos uma forma de Sofia desenvolver um arco – mesmo sabendo que sua mãe sempre viverá dentro dela.

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Sessão Vila Rica | 16ª Cine OP | Memória Presença

Já “Memória Presença” nos leva ao aspecto territorial da saudade. Com pouco mais de três minutos de duração, o diretor Gabriel Carneiro reinsere seus avós na casa em que ocupavam. A potencialização da dor da perda, que torna perene pela “contaminação” – como ele mesmo exprime na sinopse oficial. O espectador que projeta esta realidade se lembrará de quando chamamos quem já se foi ou desenvolvemos memórias tão concretas em certos momentos que somos capazes de ouvi-los – sem perceber.

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16ª CineOP | Curta Novo Rio

Lorran Dias apresenta uma nova produção de sua TV Coragem com “Novo Rio“. Um outro mergulho por arquivos pessoais provocados pelo isolamento social. Nele, o diretor carioca resgata uma viagem que fez com sua mãe para o interior do Ceará. Há dois caminhos que o realizador segue aqui. O primeiro, exprimido de maneira mais frontal em frases e falas ao longo do filme, é o desdobramento na trajetória enquanto criador de imagens a partir destes dias vividos no ano 2000.

Ele lembra que passou a perceber a magnitude do país e do próprio Rio de Janeiro a partir de tal vivência. Portanto, o Lorran que testemunhamos nos últimos anos como alquimista de discursos que rompem com a padronização, tem um pouco de sua gênese na observação gerada – e agora reencontrada – nos momentos eternizados nas fotografias com as quais ele compõem o curta-metragem. O tempo da obra se perfaz de forma mais estanque do que boa parte dos curtas-metragens, com um debruçar de quatro minutos por um conjunto de imagens capazes de contextualizar – importando algo da narrativa clássica dentro de um gênero ensaístico.

O outro, vinculado às outras produções assistidas, surge no afeto pouco explorado de familiares distantes. Esta foi a única vez em que ele pode se relacionar com seu avô, em uma era tecnológica onde os caros telefonemas interurbanos e as correspondências eram a forma de suprir a ausência. Um choque geracional que atravessa até o último representante desta sessão e mais difícil de ser dimensionado pelos mais jovens. Dias não aposta tanto neste segundo caminho em “Novo Rio”, aplica a releitura da mãe enquanto narradora para construir um saudosismo nem tão propositivo. Mesmo assim, é algo que está presente.

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Curta O Suposto Filme

Boa parte do que trazemos enquanto leitura de “O Suposto Filme” foi objeto de uma interessante conversa que tivemos com o diretor Rafael Conde (clique aqui e assista a versão em vídeo). Mais uma obra que surge a partir do isolamento social e da resgate de arquivos pessoais, o cineasta, professor e pesquisador segue o rumo de uma representação ainda mais intimista e reflexiva. Sendo assim, ele simboliza os indivíduos que se tornam criadores, curadores e núcleo de preservação de suas próprias captações – em um processo de desenvolvimento audiovisual portátil que vai nos consumindo sem percebermos.

Talvez por isso, na metade do filme ele traz um provocativo questionamento: “para que fazer, se não temos tempo de rever?” Um recado direto para as expressões que se pautam na descartabilidade e na perda de controle sobre a própria criação. Seja enquanto exercício artístico, enquanto pesquisa acadêmica ou para postar em uma rede social para atrair mais seguidores, passamos boa parte de nosso tempo produzindo – e quase nenhum tempo (nos) preservando. Em uma era marcada pela pluralidade de discursos, há carência de ouvintes, de espectadores. Ninguém mais analisa o outro, a não ser pela ótica de que nos torna detentores de fala.

Enquanto pessoa que cria suas próprias memórias há algumas décadas, ainda em Super 8, Conde nos confessou que há muito material para ele explorar. Quando o mundo pediu para pararmos, ele e tantos outros – em parte representados nesta sessão – praticaram uma auto curadoria que tornou esses diários audiovisuais  históricos uma nova forma de repensarmos como lidamos com tanta exposição nos últimos tempos.

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16ª Cine OP | Curta Pequenas Considerações sobre o Espaço Tempo

Pequenas Considerações sobre o Espaço-Tempo” é um excepcional exercício de revisitação e de outras projeções sobre nós e nossas origens. Realizado por Michelline Helena durante a pandemia do novo coronavírus, ela parte da reorganização de fotografias de sua família para nos apresentar aquelas pessoas – o que são, foram, queria ou mereciam ter sido.

Uma forma de expressão que ganhou adeptos no confinado 2020, que alia a potência do cinema que usa o arquivo como mote com a sentimentalidade. É possível que no próximo ano, com as limitações a novas produções, outras obras com possibilidades tal qual a proposta pela cineasta surjam nos festivais – e a Apostila de Cinema está bem ansiosa para acompanhar esses desenvolvimentos.

Com apenas três minutos, o núcleo familiar de Michelline é colocado como referência para nos fazer refletir sobre sonhos do passado. Irrealizáveis ou não, somos seres em constante transformação e parte de nossas expressões acontecem a partir de objetivos e metas que pensamos para nós mesmos. Como estaremos daqui a dez anos? O que não podemos deixar de fazer antes dos 30? Regurgitamos um ideal de felicidade, mesmo que – da boca para fora – reproduzamos o discurso de que este é um conceito aberto.

O curta-metragem, entretanto, não deixa de ser uma forma de concluir que nossa vida não é aquela projetada. Ela é o que fazemos dela – como nos relacionamos com os nossos, como nos adaptamos ou extraímos o melhor das situações. No final do dia de ontem, por exemplo, foi motivo de felicidade – no meio de um caos sem fim que se tornou nossa existência e os incalculáveis danos de uma sociedade que insiste em não refletir – ser apresentado a três realizadoras que dividiram conosco seus olhares, pesquisas, sentimentos e origens.

Mudamos – e que bom que mudamos. (Texto originalmente escrito em 06.12.2020, na cobertura do 30º Cine Ceará)

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Sessão Vila Rica | 16ª Cine OP | Trópico de Capricórnio

Encerrando a sessão, “Trópico de Capricórnio” foi realizado a partir do projeto IMS Convida, o qual trouxemos em parte nos primeiros dias da Apostila de Cinema, em junho de 2020. A cineasta Juliana Antunes (do longa-metragem “Baronesa” e do curta-metragem “Plano Controle“, destaques em festivais no últimos anos) reúne a partir deste último baú de memórias aberto um olhar sobre o feminino enquanto descoberta e objetificação.

A partir do seu mosaico de referências – e seus traumas, como a celebração de aniversário em dupla com o irmão – ela traz um fragmento da sociedade brasileira nos anos 1990, que misturava a culpa (e a hipocrisia) católica com o liberalismo estético de manifestações culturais populares marcadas pelo uso do corpo da mulher como forma de entretenimento. Do Fofão com a adaga enfiada na cabeça às coreografias do É o Tchan, aqueles que atravessaram a infância por este período compreenderão a confusão de referências – capazes de bagunças nossas cabeças desde então.

Havia espaço para a inocência no meio de tudo isso, como a própria sinopse da obra, em referência a uma das letras de música cantadas na versão original de “Chiquititas” (1997) faz questão de frisar. Só que parte da dor de Juliana não deveria existir, pois se baseia nas próprias descobertas. Do flerte infantil às páginas da Playboy que costumava circular impunemente nas rodas de pré-adolescentes, revistar as memórias parece ter reforçado a consciência sobre si – e como essas expressões demoram a se consolidar em uma sociedade heteronormativa.

Do catecismo à forma como Lara Croft moldou uma geração, “Trópico de Capricórnio” ganha o mundo a partir de um fenômeno muito percebido desde março de 2020: a volta à casa dos pais durante a pandemia. E na relação geracional com o arquivamento de imagens, que faz os mais velhos até hoje “revelarem” fotos e que gera, para os cringes de meia idade (usando o meme da semana), outro tipo de dor: a da nossa ausência, quando nos tornamos convidados no lugar que por muito tempo ocupamos.


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Ficha Técnica da Sessão Vila Rica | 16ª Cine OP

Foi um Tempo de Poesia (Petrus Cariry, 2021, 13′)
Sinopse: A partir de um material inédito filmado em Super-8, o poeta Patativa do Assaré nos conta sobre sua vida e obra. O documentário é narrado pelo diretor Petrus Cariry, lançando um olhar afetivo sobre o seu padrinho Patativa do Assaré. Quando o fim se aproxima, o que fica são as memórias que você deixa no outro.
Fôlego (Sofia Badim, 2020, 12′)
Sinopse: ‘Fôlego’ é uma tentativa de reconstruir, através de uma imagem, o sentimento ainda vivo entre mãe e filha. É o esforço de expor o coração a partir da ausência. É permitir que a imagem aguce os sentidos para um passado que pulsa no presente. Aonde o corpo e o toque se mostram impossíveis, os registros e documentos se despem de sua formalidade e assumem função poética de resgatar os gestos para desenhar novas possibilidades. ‘Fôlego’ é um fragmento, é o desejo do abraço, de olhar nos olhos, na busca incansável por ar.
Memória Presença (Gabriel Carneiro, 2021, 3′)
Sinopse: Vó ou as lembranças contaminam.
Novo Rio (Lorran Dias, 2021, 15′)
Sinopse: Nos anos 2000, Lorran Dias vive uma experiência inédita e inesperada: viaja de avião com seus pais para o município de Tamboril,no Ceará (onde sua mãe nasceu), saindo da Favela da Maré. Tania Dias registra em fotografias, a única vez que retornou a sua terra de origem desde a década de 80 e o único contato do seu filho com o lugar. Vinte anos depois, em um ensaio sobre a distância e suas transformações, Lorran reúne as memórias de sua mãe com relatos do deslocamento de outras pessoas nordestinas moradoras da Favela da Maré.
O Suposto Filme (Rafael Conde, 2021, 11′)
Sinopse: As imagens vão se perdendo com a gente.
Pequenas Considerações Sobre o Espaço-Tempo (Michelline Helena, 2020, 3′)
Sinopse: O futuro não existe até virar presente. Mas quem são essas pessoas que habitam esse tempo? Em conversas com a minha mãe, viajo até elas para redescobrir quem sou ou poderia ter sido.
Trópico de Capricórnio (Juliana Antunes, 2020, 12′)
Sinopse: Tem que inventar truques para enganar a dor.

Clique aqui e acesse a página oficial da 16ª CineOP.

Clique aqui e leia os textos produzidos na nossa cobertura da 16ª CineOP.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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