Sol de Inverno

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Sinopse: “Sol de Inverno” se passa em uma pacata ilha japonesa, onde a vida gira em torno da mudança das estações. O inverno é época de hóquei no gelo na escola, mas o jovem e introspectivo Takuya não está muito entusiasmado com isso. Seu verdadeiro interesse está em Sakura, estrela em ascensão da patinação artística. O técnico da jovem, o ex-campeão no esporte Arakawa, vê potencial no garoto e o convida para formar uma dupla com ela para uma próxima competição. À medida que o inverno persiste, os sentimentos aumentam e as duas crianças formam um vínculo profundo e harmonioso. Mas mesmo a primeira neve eventualmente derrete.
Direção: Hiroshi Okuyama
Título Original: ぼくのお日さま (2024)
Gênero: Drama | Esporte
Duração: 1h 40min
País: Japão | França

Sol de Inverno (2024) Crítica do Filme

Dias Brancos

Chegando às salas dos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira, dia 16 de janeiro, pela nova distribuidora nacional, a Michiko Filmes, a produção japonesa “Sol de Inverno” conta a história de Takuya (Keitatsu Koshiyama), um menino que passa a dividir sua rotina de treinos de hóquei no gelo com a possibilidade de competir como patinador artístico. Com a ajuda de Arakawa (Sôsuke Ikematsu), ele passa a estação tentando encontrar os movimentos e o entrosamento necessário com Sakura (Kiara Takanashi), a dupla que o professor considera ideal para seguir adiante.

Exibido na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes de 2024, o jovem diretor Hiroshi Okuyama também cumpre as funções de roteirista, diretor de fotografia e montador. Baseia as representações da obra pelos contrastes. O primeiro surge entre a cena inicial e o que se verá ao longo do filme. No meio de uma partida de beisebol, um aparente desolado Takuya percebe os primeiros flocos de neve do que seria mais um rigoroso inverno em uma ilha do arquipélago de Hokkaido. Com isso, ele deixará a prática do esporte de verão e passará a dar expediente no rinque de patinação.

No clube onde o protagonista treinará seu hóquei no gelo, destaca-se um novo contraste, operando na binariedade de gênero – o que será fundamental para compreendermos as futuras motivações de Sakura. Em um espaço, os meninos e o esporte visto como viril, conhecido por suas cenas de violência. No outro, as meninas e seus suaves e repetidos movimentos de patinação artística. É aqui que “Sol de Inverno” atrai para si o grande tema de narrativas coming of age: a sensação de deslocamento.

Takuya se sente fora do lugar por preferir o calor e o beisebol. Ao assistir Sakura treinar, ao som de “Clair de Lune” de Debussy, se apaixona não apenas por ela, mas também por tudo o que a envolve. Do lado da garota, uma conversa revela que ela e a amiga nutrem uma paixonite pelo treinador, um interesse pela maturidade muito comum entre adolescentes. O deslocamento que elas sentem é diferente do garoto. Já em relação a Arakawa, conhecemos mais de sua vida e, sobretudo, do seu passado glorioso como competidor e da cumplicidade com seu parceiro. Para ele, a possibilidade de encontrar uma dupla prodigiosa no esporte é curar um pouco do seu sentimento de deslocamento.

Okuyama segue operando “Sol de Inverno” pelos contrastes em todas as suas representações. Cria ambientes frios e nebulosos do clima, mas também da mistura entre beleza e pressão do esporte, com uma espécie de solaridade reprimida sempre que assistimos aos personagens patinando. A luz vem muito branca, das grossas janelas que impedem o frio real de entrar. Quando Takuya está parado, o som dos patins parecem carros em alta velocidade na estrada, aumentando a ideia de que a vida do menino foi estancada, está presa naquela estação. A exceção está nas passagens de Sakura, que demandam sua atenção.

Quando começa a praticar uma nova forma de patinação, Takuya parece recuperar um pouco da alegria, assim como seu treinador. Parece que estão tentando tornar o inverno um pouco mais aceitável e até um sol menos tímido se apresenta. A câmera de Okuyama é mais dinâmica, ganha movimentos e contrasta com a maioria dos planos estáticos e enquadramentos amplos e impessoais que assistimos até então. As sequências se tornam propositalmente mais vistosas, com montagens dos treinamentos de Takuya e Sakura, carregada de música.

Na mais bonita delas, o tempo do filme parece parar. Ao som de “Goin’ Out of My Head”, canção dos anos 1960 sucesso do grupo Little Anthony and the Imperials (aqui na voz do The Zombies, que a regravou alguns anos depois), eles treinam a céu aberto, em meio à tão temida neve do protagonista. Longa e exploratória, típica do já citado sub gênero coming of age, mas também marcando o fim dessa proposta. Será o momento em que as incertezas de Sakura e suas consequências ganham terreno na narrativa. Na mais grave delas, o marcante sentimento de rejeição que acompanhará Takuya pelo resto da vida. Com isso, o longa-metragem parece mais perto da escuridão, como se representasse “a hora mais escura” da estação do ano.

Para quem assiste ao filme no calor dos trópicos, talvez o sentimento mais sorumbático que só um rigoroso inverno permite é mais difícil de ser alcançado. Aqui estamos mais próximos do ideal de Nelson Cavaquinho no qual “o Sol há de brilhar mais uma vez”, como se o “dia melhor” fosse quase imediato. Por isso é tão interessante saber que essa virada pelo olhar de Sakura não é apenas um desenrolar da trama e sim o caminho que “Sol de Inverno” escolhe para si.

O sonho de inverno chega ao final em lições não necessariamente boas, eis que os traumas só poderão ser absorvidos pelo resignado e experiente Arakawa (com a sua carga de vida acostumada com a pancada que recebe). Por outro lado, acompanharão Takuya e Sakura por muito tempo, mesmo que Hiroshi Okuyama abra a possibilidade de um recomeço enquanto um sonho de verão, bem mais iluminado do que a luz do sol que as grossas janelas do rinque de patinação permitiam.

Veja o trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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