Soy Libre

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Sinopse: Uma irmã filma seu irmão mais novo, que chega à idade adulta enquanto busca encontrar seu lugar no mundo. Partindo dessa estrutura muito simples, o filme vai criando múltiplas camadas de registro: de um lugar, de uma geração, de uma classe social, de relações de gênero. Ao mesmo tempo em que a diretora busca construí-lo como objeto de seu filme, o personagem se rebela seguidamente contra as amarras desse papel, exigindo um constante rearranjo de forças e afetos.
Direção: Laure Portier
Título Original: Soy Libre (2022)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 18min
País: França

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Ainda que Tardia

A produção francesa “Soy Libre” traz um estudo de caso da cineasta Laura Portier sobre seu irmão, Arnaud. O primeiro longa-metragem da realizadora chega ao Brasil pela mostra Outros Olhares do 11º Olhar de Cinema de Curitiba, o qual tivemos acesso pelo formato online nos últimos dias do evento.

Ao revelar imagens de arquivo que mostra um jovem no aparente ano de 2007 – data da eleição do Presidente Nicolas Sarkozy – parecíamos estar diante de uma leitura política mais pura em sua essência. Uma formatação típica de adolescentes da época, que ainda usavam as possibilidades da Era da Informação para explorar a sociedade. Depois foi se convencionando que a exploração de si mesmo, nossa própria essência, é a grande arma política que nós temos. Ao nos reconhecer e ter o poder de apontar semelhanças e diferenças sobre o outro, passamos a olhar as escolhas políticas (em sentido estrito) como apenas uma ótica possível de existência.

É um pouco o que o protagonista de “Soy Libre” acaba por fazer. Quando o tempo avança, sua análise pragmática sobre “para onde a sociedade francesa chegaria” se tornou uma busca sobre reconhecimento – e pertencimento. Com músculos desenvolvidos, mostrando destreza atlética em uma barra na areia da praia, o Arnaud que Laure reapresenta é bem mais complexo e interessante. Seu afastamento temporal faz com que junte algumas peças e compreenda a gênese de algumas de suas dúvidas e traumas. Ali ela já mora que o rapaz possui problemas com a Justiça, mas dá tempo de tela para que ele reflita sobre a família. O divórcio dos pais que levou à desistência da escola. A ausência do pai que desaguou nos problemas de relacionamento com a mãe.

Arnaud parece querer nos convencer de que há uma culpa concorrente em seu aparente futuro sem perspectivas. E ele está certo, a despeito de quem possa pensar o contrário. Se olharmos para trás, a origem de todos os nossos problemas está em nós mesmos – diziam os nossos pais. Como tendência natural à subversão, a geração seguinte passa a perseguir outros culpas, sem se eximir de responsabilidade. Talvez Portier não perceba que há uma leitura de indivíduo comum àqueles que entendem que a retirada da liberdade deve ser a exceção. Por sinal, uma leitura que deveria encontrar muito mais adesão em ciências como o Direito – que, ao contrário, se embrenha nas entranhas de uma sociedade que acha que a retirada do outro de seu convívio é a forma mais eficaz de combater todos os males.

Sendo assim, nosso protagonista nunca experimentou, de fato, a liberdade. Diante de uma casa com um relacionamento falido, todos são punidos. Orfanatos e reformatórios como medida socioeducativa? Ele é a prova viva de que não funciona. Até que decide recomeçar na Espanha, em Alicante, a sua vida. Ou talvez começar, livre pela primeira vez. Após refletir e compreender o que entende por família e toda a falência da instituição em sua jornada, Arnaud segue os passos da ancestralidade para saber ainda mais de si. Claro que, já nesse ponto, a influência da câmera da irmã já surte outro efeito. Ele não consegue não olhar para o dispositivo, parece calcular seus passos e até trazer coerência às palavras e aos atos. Um exemplo é a rebeldia individual quando ele incendeia sua moto.

Ao retomar a ideia de nação, trazida deforma panorâmica pelo adolescente que opinava sobre Sarkozy, o filme pega outro tipo de estrada. Arnaud, a partir da experiência de Alicante, percebe que muitos olhares e comentários ao longo de seu passado era fruto da xenofobia velada. Portanto, a identificação com a França (que, no fundo, nunca existiu) vai sendo abandonada. Da Espanha ele chegará ao Peru, passará muitas vezes a controlar o próprio dispositivo e se torna mais observador. A ponto de pensar na construção de algumas imagens a serem entregues à Laure.

São poucos, mas os momentos mais interessantes de “Soy Libre” parecem emular aquelas montagens de transição clássicas das histórias de ficção do cinema comercial. Só que, ao invés de momentos-chaves ou alívios cômicos, a anarquia total da relação de protagonismo enquanto criador de imagens. Ocupando a rua, em cenas curtas, bem entrecortadas, Arnaud transita por uma pluralidade de lugares como se consumisse vida para filtrar a própria existência nos reencontros com a irmã. Uma sensação de nomadismo em mais uma produção que abandona o ranço de isolamento social que nos abateu nos últimos anos. Porém, com tantas possibilidades, corre-se o risco de se cansar. Da câmera. É a hora que deixaremos Arnaud ser livre de uma vez por todas.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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