Stillwater – Em Busca da Verdade

Stillwater Em Busca da Verdade 2021 Filme Telecine Crítica Poster

“Stillwater – Em Busca da Verdade” chegou ao Telecine. Leia a crítica!

Sinopse: Bill Baker, funcionário de uma plataforma de petróleo em Oklahoma, viaja para Marseille para visitar sua filha com quem não fala há muito tempo. Ela está presa por um homicídio que diz não ter cometido. Mesmo com as dificuldade culturais e sem falar a língua local, Bill decide ficar permanentemente na França e lutar para provar a inocência da filha.
Direção: Tom McCarthy
Título Original: Stillwater (2021)
Gênero: Drama | Suspense
Duração: 2h 19min
País: EUA

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Dessarazoado

Na Justiça dos Estados Unidos, é muito comum a aplicação da ideia de dúvida razoável em casos onde a autoria de um crime não consegue ser identificada com tanta certeza. “Stillwater – Em Busca da Verdade“, drama estrelado por Matt Damon e Abigail Breslin, traz de forma constante essa ideia ao contar a trajetória de um homem que se muda para a França na tentativa de provar a inocência da filha. Apesar de inserido em outro país, Bill é um protagonista com todos os seus conceitos e leituras sociais formados na América. Ou melhor, nos grotões da América, aquela armamentista e eleitora de Donald Trump.

Por isso, em certo, momento, Virginie (Camile Cottin), defensora que auxilia o personagem de Damon e acaba desenvolvendo um interesse amoroso por ele, questiona se ele votou no ex-Presidente dos Estados Unidos. Já Allison (Breslin) é uma jovem que sai do Oklahoma para se afastar o máximo possível do núcleo familiar. Estudando em Marselha, sua companheira de quarto é assassinada e ela se torna suspeita – e depois condenada. Não foi possível a ela trazer a dúvida razoável para o centro do debate. O fato de ser uma estrangeira, sem dúvida, pesou contra ela.

Passados quatro anos de reclusão, ela recebe a visita do pai – que também a condenou, em paralelo com a Justiça. Um cristão conservador, trabalhador braçal do subúrbio (e comedor de hambúrguer, como o diretor Tom McCarthy faz questão de trazer na apresentação do protagonista no ato inaugural). Parecia aguardar apenas um motivo para colocar a pecha de criminosa à sua filha. O que “Stillwater” faz é trazer a dúvida razoável para dentro da cabeça de Bill. Uma carta na qual a jovem levanta a possibilidade de encontrar um rapaz árabe de nome Akim (sempre acusado por ela de ser o assassino), faz com que o pai tome a frente da investigação paralela que pode devolvê-la à liberdade.

O longa-metragem possui uma lentidão que o afasta do thriller tradicional. Joga mais com as convenções dramáticas, exigindo do espectador uma viagem pela consciência do protagonista. Ao mesmo tempo, a narrativa não quer se prender ao que seria um momento-chave. No aspecto temporal, o filme se espalha ao longo de alguns meses, reforçando a sensação de que a justiça é, por princípio, lenta. Mesmo sob o risco de fazer perdurar uma injustiça. Inspirado no Caso Amanda Knox, o roteiro foi alvo de críticas da própria, que acusou os realizadores de estarem lucrando com sua história, alterando elementos fundamentais que tornam ainda mais nebuloso o fato aqui adaptado. Até porque, a verdade pura – tanto na obra quanto no caso – se torna impossível de ser alcançada assim que o crime se consuma.

Nessa tentativa de equilibrar uma nova perseguição criminal sem deixar a culpa pelo descrédito à filha lhe abater, Bill é uma protagonista que consegue nos manter conectados ao filme. Suas interações sociais em Marselha possuem o mesmo aspecto dúbio de sua personalidade. Ele é um forasteiro, alguém que está ali para se valer de um país que não é o dele. Porém, surgem pessoas tão carregadas de xenofobia que fazer uma projeção empática da sua realidade. O grande exemplo é o dono do bar que testemunhou o suposto encontro entre Allison e Akim (Idir Azougli). Consumido de raiva pelos descendentes de árabes, ele se coloca à disposição para apontar qualquer um dos suspeitos nas fotografias que lhe mostram. Diria ter convicção absoluta de ter sido ele o assassino.

A Justiça transita muito por esses terrenos de dúvidas e convicções que, muitas vezes, são falsas em suas origens. No caminho entre a cabeça do agente e sua verbalização existem motivos tão íntimos quanto inconcebíveis à máquina judiciária clarificá-los. No mundo pautado pela xenofobia, todo o arsenal de erros apresentados pela trama de “Stillwater” são mais do que críveis, se revelam habituais. Ao ponto de nos tornar seres cada vez mais amedrontados quando circulamos em um espaço que não se convencionou chamar de “nosso”. Enquanto turistas ou imigrantes, a lógica de um mundo carregado de raiva nos faz pensar cada atitude.

Mais adiante teremos contato com parte dos impulsos e motivações de Allison. Ela some em parte do segundo ato, quando a história permite a Bill exercer outro estilo de vida. A tal dúvida razoável fez com que ele quebrasse algumas barreiras internas, inclusive, cultural. Mais do que se estabelecer na França, ele parece mais consciente de ser refém do tempo. O que faz com que a parte final do filme crie nova reversão. Quando ele vê uma oportunidade de esclarecer a autoria do crime, é consumido pelas suas próprias motivações e impulsos, reiterando comportamentos que pareciam esquecidos.

Bem recebido no Festival de Cannes de 2021, a cadência de “Stillwater” e sua tentativa de abarcar uma história complexa, deve ter o poder de deixar parte dos espectadores pelo caminho. Já o fechamento de sua narrativa, que revisita o questionamento dos fins que justificam os meios para reproduzir atitudes de um cidadão norte-americano acostumado com a ideia de justiçamento, pode desanimar quem busca algo além do tradicional.

Porém, é possível ficar com a ideia interessante de que outra dúvida razoável nasceu na cabeça de Bill ao longo do processo – e que se confirma por um princípio bem mais ligado à forma como o Brasil julga seus crimes do que os Estados Unidos: o da verdade real. Revelado de forma íntima, pela própria filha – deixando o gosto de injustiça continuamente nas nossas bocas.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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