Ten-Love

Ten-Love

Sinopse: Após um assalto nas ruas de Porto Alegre, Georgia e Bruno terão suas vidas entrelaçadas por um jogo de tênis orquestrado pelo misterioso Joalheiro.
Direção: Bruno de Oliveira
Título Original: Ten-Love (2020)
Gênero: Romance
Duração: 1h 24min
País: Brasil

Ten-Love

Heterotopia

O primeiro ato de “Ten-Love” é uma crônica heterotopzeira, que muitos que estão na casa dos trinta e que, provavelmente, precisaram passar por um processo de desconstrução são capazes de se identificar. O nascimento do amor de um homem e uma mulher. Uma cena que grita classe média e que o diretor Bruno de Oliveira estiliza de forma muito curiosa. À primeira vista, parecia que estaríamos dentro de uma narrativa de sátira sisuda, muito parecida com “Casa Grande” (2014) de Fellipe Gamarano Barbosa. O heroísmo do menino branco correndo para salvar a donzela de perder seu celular em um assalto. O amor como consequência de um ato de bravura.

O longa-metragem floreia essa relação com a inocência da juventude, em que há mais diversão do que responsabilidade em curso. A padronização do consumo global e o desejo de se manter dentro da tendência, coloca na boca de Bruno dados sobre a rede de pizzaria Dominos. Em casa, o jovem tem uma câmera profissional e o sonho de ser cineasta. Coloca o objeto metodicamente despojado em cima de uma pilha de livros organizadamente bagunçada. Na estante, DVDs de filmes europeus que Georgia, sua paixão, tem o interesse despertado por força do magnetismo que ali via se criando. Ela é ex-participante do Masterchef, que seu pretendente cult não conhece a mecânica. É ao mesmo tempo divertido e assustador ver aqueles dois tão envolvidos em uma fantasia que a vida adulta não comporta.

Ouvindo músicas no seus fones que parecem feitas para os seus ouvidos, os personagens de “Ten-Love” conseguem unir o sonho da prosperidade midiática do diretor de cinema e da chef de cozinha com a agridocência, mas não se apoia nesse mote para deixar no espectador o gosto da falsidade representativa na boca. Avança no tempo e mostra como a desconstrução do entendimento sobre uma relação se dá – e a importância da harmonia entre um casal. A maturidade bate de vez na porta de Bruno e Georgia quando os boletos se acumulam. A relativização dos sonhos começa a ser identificada. Aquele projeto milionário que lhe renderia um Oscar em Hollywood aos 30 e poucos pode ser adiado, se o trabalho na agência for indispensável para a sobrevivência. Aquele livro de receitas com sua foto toda produzida na capa pode ficar para depois, caso aquela oportunidade de comandar um restaurante que não é seu colocar comida também na sua mesa seja a escolha óbvia.

Nessas novas configurações de presente, vamos reinventando novos futuros. Sonhar não custa nada, mas viver o sonho talvez seja caro demais. O advogado que quer ser crítico, a antropóloga que, ainda criança, se via como uma diretora de cinema. Os exemplos são inúmeros e “Ten-Love” traz um pouco de cada idealização que ficou para trás. Bruno de Oliveira nos confronta com o presente daquele casal, que entende ser sinônimo de maturidade se adaptar ao orçamento doméstico. Todos passaremos por uma aceitação dessas, um enquadramento impositivo. Por mais que ao seus olhos o outro pareça estar melhor, acredite, ele tem as frustrações dele.

O curioso é que, em virtude da introdução da obra trazer de certa forma a existência de privilégios para aqueles dois, corria-se o risco de toda a narrativa que lhe seguisse fosse uma pasteurização dramática, uma sensação de que estamos lidando com problemas menos graves do que de outras pessoas – com obstáculos muito mais urgentes. Mas é justamente ao focar no amor, na maneira como ele é afetado por essas demandas que se seguem, nos sufocam, nos prendem na superfície; é que o filme encontra seu caminho.

Abrir mão daquela aquisição que só dará prazer a você pode não ser o suficiente. Nisso, Bruno acaba na situação já descrita na sinopse de “Ten-Love“. Por um lado, ele e Georgia vão aprendendo o quanto e como devem abrir mão de viverem por si só. Por outro, chegam ao final da jornada com uma lição ainda mais fundamental: mais do que abrir mão, é preciso estendê-la àqueles que escolhemos amar.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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