Sinopse: Em Thar, no ano de 1980, Siddharth (Harsh Varrdhan Kapoor) está de mudança para a cidade indiana de Pushkar, para um trabalho. Ele embarca em uma jornada para vingar seu passado. Ele terá sucesso ou Pushkar tem algo mais a oferecer a ele?
Direção: Raj Singh Chaudhary
Título Original: थार (2022)
Gênero: Faroeste | Drama | Policial
Duração: 1h 48min
País: Índia
Sobre Búfalos e Castas
O faroeste indiano “Thar” é uma grata surpresa para o crítico que, após uma licença espontânea de seis meses, precisará conviver de novo com os lançamentos em escala industrial da plataforma de streaming Netflix. Escrito e dirigido por Raj Singh Chaudhary (em seu segundo longa-metragem), o filme traz as histórias de um misterioso vendedor de antiguidades e de um inspetor de polícia que se cruzam em um vilarejo no Rajastão, perto da fronteira do país com o Paquistão, porém longe das belezas turísticas da região.
Estamos no ano de 1985 e o local é conhecido por ser rota de tráfico de ópio. Surekha (Anil Kapoor) é um agente da lei há seis meses de sua aposentadoria. Ao trazer, no prólogo, uma reflexão sobre sua própria vida, ele se define como um dos milhões de cidadãos que buscaram longe das movimentações das grandes cidades um lugar de acolhida em meio à crise social inaugura com o processo de independência da Índia em 1947.
O cineasta faz em “Thar” uma confluência de gêneros. Une alguns aspectos do noir com os dramas típicos de um Cinema que pouco se relaciona com o fenômeno popular de Bollywood. Aliás, alguns dos melhores exemplares da Netflix nos últimos tempos são dessa vertente audiovisual do país. Só que as grandes referências, capazes de se impor enquanto gênero na narrativa é o faroeste. Não apenas visualmente, mas em quase tudo o que a história tem a nos oferecer.
Surekha é um inspetor que goza de respeitabilidade na localidade, assim como boa parte dos xerifes dos western clássicos. A chegada de Siddharth (Harshvardhan Kapoor), o empresário em busca de trabalhadores para levar produtos de suas vendas para Nova Déli, coincide com o assassinato cruel de um morador conhecido por traficar ópio. O personagem de Kapoor (que já passou pelo Ocidente em obras como “Quem Quer Ser um Milionário?” de 2008 e em duas temporadas da série “24 Horas“) se vê diante do risco de ser descredibilizado.
O espectador encontrará boa parte dos elementos que fez do faroeste um sucesso. “Thar” é sobre motivações, um embate velado entre dois homens os quais precisamos decifrar suas intenções. Une questões sobre honra e vingança tanto na formatação clássica e consagrada por Hollywood, quanto em aspectos da cultura indiana. Por isso, as mulheres que transitam pelo longa-metragem possuem papel fundamental, mesmo que relegadas ao coadjuvantismo.
Já em relação às visualidades, duas coisas chamam atenção. A primeira é que Chaudhary cria imagens que primam pelo tradicionalismo, tanto do gênero homenageado quanto do que entendemos como Índia. Desta forma, a passagem dos dias é mostrada pela decomposição de um búfalo morto, assistido pelos camelos que passam levando alguns forasteiros. Uma águia quase sempre vinculada à América, sobrevoa as planícies e a estrada improvisada na terra de Rajastão, que leva à pequena cidade.
A câmera que valoriza um relógio de pulso em plano-detalhe na mão de Siddharth é um elemento mais relevante de uma cena transitória entre atos. Ali a cadência da montagem claudicante, lembrando a movimentação dos cowboys de outros tempos, aproxima ainda mais o diálogo do filme com o western. Porém, o outro aspecto visual que salta aos olhos parece se opor a essas convenções. Enquanto que as motivações dos protagonistas nos exemplares clássicos surgiam quase como uma confidência, durante o desenvolvimento da narrativa (e geralmente em diálogos com personagens que se aliam a eles), aqui o roteiro usa curtos flashbacks no ato final, antecedendo o clímax.
Isso nos faz pensar o quanto essa produção entende as novas relações com o audiovisual, sem deixar se contaminar pelo referencial. Não que trazer um western noir puro seria algo desabonador, mas ao explorar essa necessidade de enxergar o passado para se conectar às motivações de Siddharth, o filme é capaz de atingir seu frescor e encontrar um público mais amplo do que os saudosistas. Uma plateia que precisa ver bem mais para sentir. Algo que se revela também na escalada de violência visual da obra. Leituras que outros longas-metragens lançados nas últimas décadas não conseguiram.
Se não soa muito inovador, a conclusão de “Thar” recria algumas das ótimas triangulações entre vingador, nova vítima e agente da lei. Surekha, meio detetive de crimes misteriosos de um bom noir, se ergue no papel de regulador de um bom western, mostrando que qualquer território sem lei pode ser questionado, se opondo ao justiçamento – mesmo entendendo todas as motivações. Nem sempre tanta sensibilidade se reflete em uma ação eficiente. O público, claro, ficará à espreita até o último tiro, provando que uma união simples entre tradicionalismos distantes no tempo e no espaço pode, sim, se transformar em um faroeste indiano de qualidade.
Veja o Trailer: