The Forty-Year-Old Version

The Forty-Year-Old Version Netflix Crítica Pôster

Sinopse: Uma dramaturga de Nova York decide se reinventar, e salvar sua voz artística da única maneira que sabe: se tornando uma rapper aos 40 anos.
Direção: Radha Blank
Título Original: The Forty-Year-Old Version (2020)
Gênero: Comédia | Drama
Duração: 2h 3min
País: EUA

The Forty-Year-Old Version Netflix Crítica Imagem

A Liberdade dos 40

Existem algumas coisas que distanciam Radha Blank da que vos fala e outras que nos aproximam. Ela é uma estadunidense que mora no Harlem e tem o teatro como paixão. Entretanto, beira os 40, é fora do padrão considerado esteticamente aceito pela sociedade e é negra. Podem parecem poucas conexões, mas qualquer mulher negra dentro desse perfil que leia esse texto saberá que não são. Então, “The Forty-Year-Old Version” é um filme autobiográfico de Radha que também fez com que eu encarasse alguns fantasmas que aqui habitam.

Sabendo que a questão racial nos Estados Unidos da América do Norte é bem distinta que no Brasil – por inúmeros motivos que valeriam e, talvez, sejam desenvolvidos pela Apostila em outro momento – esse ecrã que nos une bateu forte. Sem surpresa, devo admitir. Por isso mesmo, deixei esse filme guardado para ser o primeiro de 2021. Junto com meu aniversário e com a eminente proximidade dos 40.

A primeira cena de “The Forty-Year-Old Version“, em contraluz, não é eventual. Quais sombras de quem fomos nas décadas anteriores nos perseguem? É possível rir de si mesma e tratar de questões profundamente tristes ao mesmo tempo? Bom, a narrativa de Radha é construída toda a partir dessa dualidade.

Havia uma comunidade no antigo Orkut (nem tão antigo assim, gosto de pensar), que era mais ou menos: fui uma criança com um futuro promissor. Em outra das primeiras cenas que vemos Radha se olha no espelho e ao mesmo tempo para um prêmio e uma foto de sua juventude. Será que ela haveria passado de seu “melhor momento” sem perceber? Qualquer mulher (e, principalmente, qualquer mulher negra) sabe como a síndrome da impostora nos acomete. Falo muito sobre o feminino aqui porque é ao redor dele que circula o filme também na figura da recente morte da mãe da protagonista, mas o masculino também tem espaço. Porém, prefiro me deter nesse feminino de Blank que consegue fugir a todos estereótipos ainda que trabalhe com eles mesmo que, talvez, fosse mais confortável permanecer aí. Mulher, gorda, negra, de 40.

Sim, é preciso dizer o que somos e ultrapassar as fronteiras que criamos para nós mesmas. Dando aula para jovens periféricos que não veem muita perspectiva na carreira artística ou se a veem imaginam que não estão ali, em uma dramaturga supostamente fracassada. É aí que Blank nos dá uma aula de roteiro e de vida e, ao rir do que pensa ser seu abismo profissional e emocional, o recria. É preciso dizer que os estereótipos que são introjetados à arte negra também estão ali na ficção autobiográfica em tom documental. A adaptação de Fences, as “dramaturgias negras na moda”, a necessidade de se buscar UMA voz negra, a diretora branca para uma peça com temática racial central.

Todos os diretores negros já estavam trabalhando”. “Todos os fotógrafos negros estavam ocupados”. “Todos os professores negros não tinham a especialização necessária”. “Os escritores negros escrevem de uma maneira muito dura”. Quantas vezes escutamos essas frases? Essa última, perpassa todo o filme, já que Radha precisa suavizar sua peça inúmeras vezes. Para ficar mais palatável, mais colorido, mais ensanguentada, mas ao mesmo tempo mais leve.

Nesse misto entre decepção inerente ao meio artístico e procurando chegar além de onde pensa querer estar, Radha encontra sua voz no rap. Rir das suas angústias enquanto rima, lidando com o luto pela morte da mãe e pela percepção de que sua juventude irá passar, está passando e, talvez, já tenha passado. Lidando com o tempo.

Ainda assim, ela recaí em armadilhas que constrói para si. Contudo, algumas coisas não são negociáveis. Algumas feridas podem ser ironizadas (por nós mesmas, claro!), mas não ignoradas. Há realmente algo de muito duro não somente nas palavras de Radha, mas nas de seus companheiros – a realidade. Rapeada ou não, não há como escapar dela. Se as cenas de sua peça na cabeça da dramaturga são demasiadamente coloridas, explorando a “vivacidade negra” tantas vezes repetida nas telas, o filme é quase inteiramente em preto e branco e só encontra a cor quando ela se permite se reencontrar.

A sinopse, nem de longe, oferece a experiência de “The Forty-Year-Old Version”. É possível que nenhuma ofereça. Não é sobre decadência ou desespero, é sobre retomada. É possível que ainda tenhamos que reagir muitas vezes na vida. Talvez, a cada década. Talvez, mais recorrentemente. Mas o poder de se ser quem se é, jamais será melhor do que qualquer outra coisa.

A versão 40 de Radha ocorre quando ela admite que não sabe. Que não precisa saber. Que está mudando e, é possível que apenas uma leve intuição a guie pelos caminhos.  Lentamente, sem que percebamos exatamente qual é o momento de virada. As mudanças na vida, muitas vezes, ocorrem assim.

É claro que o medo e a morte são temáticas de uma mulher que acaba de perder a mãe, mas como é bonito ver Radha abrir mão do controle excessivo que nos é exigido e seguir mais leve. E, que bom que deixei esse “The Forty-Year-Old Version“, lançado na segunda metade de 2020 na plataforma de streaming Netflix, para ver agora.

É o que desejo a todas nós: Que nos deixemos rappear

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *