The Last Days

The Last Days Documentário 1998 Filme Crítica Pôster

Sinopse: O documentário conta histórias sobre campos de concentração durante a Alemanha Nazista a partir de cinco judeus húngaros que sobreviveram ao período.
Direção: James Moll
Título Original: The Last Days (1998)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 27min
País: EUA

The Last Days Documentário 1998 Filme Crítica Imagem

Te Ver e Não te Esquecer

Em cópia remasterizada, o documentário “The Last Days“, dirigido por James Moll e vencedor do Oscar em sua categoria no ano de 1999, chegou esta semana no catálogo da plataforma de streaming Netflix. Em tempos de negacionismo, uma coincidência de lançamentos de obras fundamentais que trouxeram os horrores do Holocausto em períodos distintos da história do Cinema ficaram disponíveis para o espectador brasileiro. Nos últimos dias, a Apostila de Cinema revisitou “Noite e Neblina“, curta-metragem clássico de Alain Resnais de 1956 e que chegou ao Petra Belas Artes à La Carte. Uma boa oportunidade de comparar linguagens, períodos e refletir sobre o impacto do audiovisual na construção de memória.

A tentativa de sustentar a paz no mundo com o término da Segunda Guerra Mundial falhou, como todos sabemos. A iniciativa de um órgão global como a ONU, em que todas as nações teriam voz, não impediu que o imperialismo europeu mantivesse o território africano sobre seus domínios. Não impossibilitou o planeta de rachar no meio em um muro construído na mesma Alemanha combalida pela derrota do Eixo. Jamais manteve por um período longo os territórios do Oriente Médio pacificados. Porém, nada se compara com a onda revisionista de questionar a existência do genocídio de seis milhões de judeus pelo regime nazista de Adolf Hitler.

Só não há um questionamento maior pela maneira como o Ocidente usou as narrativas populares do Cinema como instrumento reflexivo. Através do tempo, releituras sobre o Holocausto ganharam forma – e falamos no texto sobre o documentário francês como parte das convenções desse subgênero dos dramas de guerra se moldaram pelo olhar de Resnais. Os EUA, aliado histórico de Israel, viveu vários períodos em que seus realizadores mais renomados dedicaram projetos sobre o tema. Sempre que a sociedade norte-americana se reconfigurava, com conflitos que vão do Vietnã ao Golfo, passando pela corrida nuclear e espacial da Guerra Fria, a ideia de trazer o passado recente como exemplo de perda total da humanidade tinha no nazismo sua expressão máxima.

Na década de 1990, depois de vinte anos de sucessos estrondosos de bilheteria que mudaram de vez a indústria cinematográfica de seu pais, Steven Spielberg, filho de judeus, lançou em 1993 seu trabalho mais ousado. “A Lista de Schindler” é um dos grandes filmes da sua carreira e nenhum outro drama histórico do cineasta superou este projeto (o primeiro desta vertente de Spielberg, “A Cor Púrpura“, de 1985, também é ótimo). A adaptação do romance de Thomas Keneally venceu sete Oscars, incluindo filme e direção em 1994 e seu epílogo, trazendo rostos e vozes de sobreviventes, é uma rara junção de ficção e documentário de um cinema comercial que costuma segmentar suas representações.

Cinco anos depois ele produziria “The Last Days“, que traz pelo olhar de cinco sobreviventes húngaros os horrores do período. Um território o qual as tropas de Hitler foram particularmente cruéis. Com a iminente derrota para os Aliados, ao invés de se preocupar com o reagrupamento e reforço de seu Exército, os nazistas dedicaram seus últimos esforços para assassinar o maior número possível de judeus. Desta forma, se estabeleceram no país e realizaram um rápido processo de mudanças legislativas para identificá-los e levar todos aos campos de concentração mais próximos.

Realizado pela USC Shoah Foundation, uma associação de sobreviventes do Holocausto, o documentário se inicia no interior, no lindo território de Polyana e vai até Budapeste. Paisagens pouco alteradas na comparação das imagens de arquivo da década de 1940 e os registros cinquenta anos depois. Os cinco sobreviventes, todos radicados nos Estados Unidos, frisam que – até a chegada dos nazistas – não havia nenhum ruído na relação de identidade. Eles era húngaros e judeus, sendo o segundo um aspecto mais religioso de suas personalidades. Quem tem dificuldade em compreender o universalismo das práticas de Hitler, tem no filme importantes argumentos para desenvolver seu raciocínio. Estamos diante de uma quebra de normalidade de uma comunidade integrada – em que os preconceituosos e fascistas guardavam suas ideias nos esgotos de suas mentes, onde devem permanecer. Acontecer novamente não é nem raro e nem impossível.

Os relatos dos senhores e senhoras reforçam o que “Noite e Neblina” trazia com a crueza e a urgência de uma revisitação mais próxima e traumática. Nos campos de concentração, famílias eram divididas, em grupos segmentados por sexo e faixa etária. A trilha sonora de Hans Zimmer (que desempenhou seu ofício voluntariamente neste projeto) e a montagem do próprio James Moll, aproximam a obra da forma tradicional dos documentários – um expediente até hoje difícil de ser abandonado em produções desta natureza, como identificamos nas duas últimas edições do Festival É Tudo Verdade.

Contudo, o terço final da obra, se não tão poderoso quanto o choque que o curta-metragem de Resnais provoca até hoje, ainda é muito forte. Ali o filme foca nas histórias de sobrevivência, o recomeço em uma nova nação e a volta ao território. Como um dos personagens frisa, era hora de “fazer as pazes com o mundo exterior”. Passados quase oitenta anos, ainda precisamos de novas produções sobre esse período histórico – e a prova foi a vitória do francês “Colette” no Oscar de 2021.

Não adianta nada o Cinema ser mestre em produzir memórias, se elas forem para o fundo das gavetas. “The Last Days“, portanto, é daqueles registros que chegam à Netflix e não deveriam nunca mais sair.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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