Trilogia Homeostasia

devagar

Sinopse: A Trilogia Homeostasia traz ensaios sobre o Tempo.
Direção: Edson Campolina
Títulos Originais: Devagar / Versejar / Antônimos (2020)
Duração: 1min 39`/  2min 59`/  2min 02`
Gênero: Experimental
País: Brasil

homeostasia

Os Tempos de Edson Campolina

Em seu primeiro curta-metragem, o diretor Edson Campolina já mostrava certa sensibilidade e inclinação para falar sobre o tempo. Ainda que em Caminhar a narrativa central partisse da travessia, o tempo estava presente seja nos passos de Edson, seja nos versos de Fernando Pessoa. Na “Trilogia Homeostasia”, o diretor parte para uma abordagem mais direta sobre o tempo. E, de maneira distinta nos três curtas.

Os três filmes mostram um grau de amadurecimento do diretor no que se trata do experimentalismo possível no audiovisual sem cair no vazio ou em elucubrações infundadas. Diretor, editor e produtor dos três curtas, Campolina consegue nos passar de maneira direta, porém afetiva uma questão que persegue o homem: a passagem do tempo.

Assim, é preciso lembrar que Homeostasia é o estado de estar em equilíbrio com o próprio corpo (e com a mente). A percepção temporal passa por aí. Por essa sensorialidade que é dada pelo corpo. Não irei aqui discorrer sobre o funcionamento cerebral, pois não entendo profundamente sobre esse mistério. Sobre o outro, a passagem do tempo, ou a reflexão sobre essa passagem, entendo um pouco mais.

Edson começa sua experimentação do “Devagar”, no qual volta a construir a partir das palavras do pseudônimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos , com o poema “Não: Devagar“. Escrito em 1934, o poema é bastante atual para pensar a temporalidade quase autodestrutiva da contemporaneidade. Pessoa já dizia no início do século XX: “há entre quem sou e estou uma diferença de verbo“. Dessa constatação resulta uma necessidade de desaceleração para saber quem se “é” e quem se “está”.  Mas quem tem tempo para desacelerar nos dias atuais? O curta de Edson, que caminha na direção da reflexão desse tempo menos corrido, mais contemplativo, é quase um convite para que caminhemos com mais leveza em construções que podem se dissolver, mas que são necessárias para os corpos que desejem refletir.

Já em “Versejar”, o  diretor se utiliza das próprias palavras em um poema que reflete sobre o ato da escrita. Mas há também a ideia da passagem de tempo e da reflexão em uma folha que gira em sentido anti-horário, como se procurasse encontrar as palavras perdidas em algum momento da vida. A vida, a passagem do tempo. Por mais que fale duração (que no sentido bergsoniano diz respeito a um tempo único, não fragmentado), acredito que o tempo pensado por Edson se aproxima mais do deleuziano, aquele no qual a cesura nos leva a acessar outros espaços-temporais. Ainda que o tempo bergsoniano abarque o “estar”, apontado por Edson e Fernando Pessoa, entendendo a passagem do tempo como inexorável à vida humana, Deleuze traz uma concepção mais alargada no sentido das percepções temporais.

O deslocamento completo da “Trilogia Homeostasia” em direção a uma filosofia deleuziana, ainda que essa não tenha sido intencionalmente pensada pelo diretor, se dá em “Antônimos”, filme que fecha a trilogia. Ao trazer em uma única imagem a repetição evocando várias palavras, que nada mais são que a própria vida manifestada em sua dicotomia (porém também em sua ambiguidade), o diretor incorpora o tempo fragmentado e fragmentário no esforço que a vida faz em seu decorrer. A persistência e tentativa de sair dessa dicotomia, vejo eu, é a própria experiência do viver. Quando já não mais o for, é morte.

Assim, a “Trilogia Homeostasia” nos faz passar pelas três experimentações de Edson Campolina, mas também nos ajuda a refletir sobre a temporalidade que se impõe aos nossos corpos e como podemos transgredi-la. Afinal, a vida também é feita de fragmentos que se unem em nossa memória.


Siga o canal “Histórias e Estradas” para acompanhar a produção do diretor e veja o primeiro curta da trilogia no link abaixo:

Assista nossa entrevista com Edson Campolina sobre a Trilogia Homeostasia em nosso canal no YouTube:

Se preferir, ouça a entrevista em podcast pelo nosso canal no Spotify:

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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