Tzarevna Descamada

Tzarevna Descamada Filme Crítica Poster

10º Olhar de Cinema | BannerSinopse: Em “Tzarevna Descamada”, uma jovem e insone comerciante recorre a um chá encantado para ter uma noite de sono digna de princesa. Provar estar apta a viver um sonho, entretanto, não será assim tão fácil, mesmo para quem está acostumada a vender seu peixe. Nessa mistura inusitada entre cultura eslava, referências pop, vestuários extravagantes e uma estética tão barroca quanto calculadamente relaxada, toda expectativa de familiaridade está sempre prestes a ser contrariada, fazendo desse conto de fadas contemporâneo um filme de ambições e resultados surpreendentemente únicos.
Direção: Uldus Bakhtiozina
Título Original: Дочь рыбака (2020)
Gênero: Drama | Comédia | Fantasia
Duração: 1h 9min
País: Rússia

Tzarevna Descamada Filme Crítica Imagem

Chegando ao Final Feliz

No último dia da maratona intensa de oito manhãs e nove noites do 10º Olhar de Cinema, a cineasta russa Uldus Bakhtiozina nos presenteia com um espetáculo visual chamado “Tzarevna Descamada“. Unindo referências folclóricas de sua região, em um conto de fadas moderno mais convincente que a “Cinderela” (2021) de Camila Cabello – e mais bem-humorado também – ela consegue equilibrar representações, atualizar narrativas, costurar metáforas e explorar visualidades de figuras que fazem parte do imaginário cultural de seu país.

A conversa da cineasta com Camila Macedo e Eduardo Valente é, não apenas, esclarecedora. Ela traz as bases fundantes da realização da, também, fotógrafa, artista visual, roteirista, montadora, figurinista e maquiadora. E, sim, ela cumpre todas essas funções no filme que, em pouco mais de uma hora, nos leva pela dicotomia entre realidade e sonho de uma jovem que trabalha em um food truck de peixes. A própria atividade que ela desempenha tem características bem peculiares nas dinâmicas dos espaços urbanos contemporâneos. Uma trabalhadora que enxerga tudo em constante transição enquanto precisa equilibrar seu foco e manter-se conectada com as múltiplas obrigações que exerce.

Quem já prestou algum serviço em um espaço carregado de provocações visuais por muitas horas sabe que a insônia é natural. Diminuir o ritmo e internalizar as experiências que se empilham em uma jornada não é tão simples. Ainda mais na vida da protagonista, que cruza com pessoas de tipos mais diversos, como uma senhora que lhe aconselhará por tabela a romper com a ideia de que o mundo não é feito “para” nós e sim “por nós”. Dali em diante, “Tzarevna Descamada” usará o onirismo para mostrar o que seria a preparação de uma antiga filha de czar, Imperador da Rússia Antiga.

Veja o Trailer:

Nos diálogos com a modernidade, as representações se formatam de maneira irônica. A tzarevna precisa ter boa educação, aparência e postura. Ah, e nunca desanimar. Com roupas e pinturas no rosto que, mesmo que não tenha conhecimento sobre o passado russo, conectará as imagens à velha lógica da mulher objetificada e ensinada a servir, tal qual uma gueixa na sociedade japonesa. A diferença é que a nossa protagonista precisa, além de tudo, estar disposta a morrer por isso. O que nos leva à forma como ela se apresenta no mundo real (ou no que poderíamos chamar de realidade): filha de um pescador que, como lembra Bakhtiozina na conversa, é onipresente.

Oferecendo o pão e disposta a abdicar até mesmo da própria vida, sua trajetória é, em parte, messiânica. A forma como Uldus monta o filme dá fluidez e nos aconchega a ponto de tirarmos uma experiência simples de audiovisual. Simplista para aqueles que não desejam se debruçar por tudo o que circunda a narrativa. E, o principal, deslumbrante enquanto imagem para todos, até quem não quer se conectar com a obra. Um exemplo de reapropriação de visões sobre o feminino de outros tempos, corrompidos por objetivos cruéis de quem desejava colocar a mulher enquanto propriedade.

Tal qual uma bela adormecida, mas também acordada, “Tzarevna Descamada” é um vistoso conto de fadas com música, comédia, fantasia e vínculos com parte da cultura russa. Talvez no que me permita ser autoindulgente, é quase como a construção de uma obra que soa, para mim, como irresistível. Uldus Bakhtiozina foi a primeira oradora de seu país a participar do encontro TEDTalks, é celebrada a mais de uma década pelo seu trabalho como artista visual. Migrou ou se dividiu (espero) no audiovisual com uma execução primorosa, aliada à forma como projetou tudo isso refletida em sua fala. Perto do fim do Olhar, essa diretora (e one-woman-show) se apresenta como uma daquelas capazes de despertar interesse nos futuros trabalhos apenas com o poder do seu nome.

Assista à conversa entre Camila Macedo, Eduardo Valente e Uldus Bakhtiozina sobre “Tzarevna Descamada”:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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