Um dia

Um Dia

Sinopse: “Um dia”, de Zsófia Szilágyio, é um filme que nos sufoca. Ao contar a história de Anna que viver cercada de gente, mas psicologicamente se encontra extremamente frágil e isolada, a diretora retrata um dos principais problemas contemporâneos: a imposição de tarefas como regra do jogo de sociabilidade.
Direção: Zsófia Szilágyi
Título Original: Egy Nap (2018)
Gênero: Drama
Duração: 1h 39min
País: Hungria

"Um Dia" Egy Nap Zsófia Szilágyi Imagem

A Uberização da Vida Familiar

“Um dia”, de Zsófia Szilágyio é um filme que nos sufoca.  Ao contar a história de Anna, que vive cercada de gente, mas psicologicamente se encontra extremamente frágil e isolada, a diretora retrata um dos principais problemas contemporâneos: a imposição de tarefas como regra do jogo de sociabilidade. Quem falha nessa rotina que quase nos enlouquece, é considerado incapaz ou inútil. Tal qual uma máquina, somos testados a cada vez mais. A crueldade no filme de Szilágyio é narrar como essa escala de produção também é incorporada à vida familiar.

Em uma espécie de uberização de sua  vida familiar, Anna se esforça para corresponder a todos os padrões a ela impostos, enquanto a irritabilidade toma conta de seu corpo. Em uma interessante iniciativa da Prana Filmes, o filme ficou disponível entre os dias 16 a 20 de junho para um pré-lançamento online na Programação Prana Filmes em Casa. Uma ótima oportunidade de lançar nossa Apostila Cinema Europeu.

Também como parte da programação, houve uma conversa com o psicólogo e professor Christian Dunker, autor de Reinvenção da Intimidade- Políticas do Sofrimento Cotidiano. A escolha de Dunker não poderia ser mais adequada. O livro, o qual recomendo vividamente, trata justamente sobre a novas configurações que estabelecemos entre a individualidade e a coletividade em um mundo no qual o tempo para si se encontra cada vez mais raro.

Vivemos, então, com nossos afetos uma espécie de check-list constante. Acordar, dar café, se arrumar, tomar banho, levar à escola, trabalhar, pegar na escola, fazer jantar, dar um beijo no marido, servir o jantar, dar banho, contar uma história para criança dormir… Percebem como as atividades do trabalho se misturam às da afetividade sem que haja um respiro sequer para pensarmos ou repensarmos essa vida? O desgaste se torna, então, questão de tempo. Ou falta dele.

Como psicólogo, Dunker defende que grande parte das patologias psíquicas modernas e pós-modernas vêm dessa falta de olhar para si. Se não  sei quem sou, como posso saber o que quero ou o que me faz feliz? Embora e felicidade seja um sentimento fugaz, precisamos de momentos de felicidade.

Assim, a conversa com o psicólogo e a exibição do filme servirão como um conjunto provocativo para que pensemos nesses tempos corridos e nos espaços vazios que foram deixados pela Quarentena. Talvez, nesse momento, alguns de nós estejamos pela primeira vez tendo que lidar efetivamente com a presença do outro.

A grande questão  de “Um Dia” e é que a protagonista e sua família não conseguem lidar com a falta de tempo e diálogo (talvez, um reflexo do outro). A cena inicial (na qual uma Anna já cansada se olha no espelho) se encontra com a final (na qual ela, finalmente, resolve recuperar o fôlego).

A maneira como cada um de seus filhos consegue lidar com essa rotina também é um pouco reflexo dos choques geracionais e da falta de diálogo. Cada um tenta chamar atenção para si como pode, mas nunca chegam ao debate das questões como solução para os conflitos.

Durante a palestra, o professor Dunker disse que Anna parece correr loucamente para todos os lados tomando para si todas as decisões, como se caso ela não as tomasse, ninguém mais o faria. O interessante em fazer essa análise conjunta entre o filme e o debate é justamente a identificação de grande parte das mulheres com a personagem principal do filme.

Se Anna não tomasse para si as resoluções dos problemas cotidianos, gerando nela mesma o cansaço, alguém o faria? Seu marido, seu filho mais velho, sua amiga? Alguém tomaria esse lugar?

Como lidar com as demandas (já que é assim que as tratamos), sem enlouquecer? A solitude (como Dunker chama a solidão boa, necessária) em oposição àquela imposta, faz-se urgente. Para qualquer um de nós que vivemos o mundo da pressa e da produtividade.

Embora “Um dia” talvez não seja considerado por muitos um grande filme no sentido narrativo, ele mostra exatamente o que precisamos ver nesse momento: um dia em nossas vidas e seu eterno retorno. A impressão de continuuum dada por Szilágyio  é o que angustia Anna e todos nós.

É assim que o filme nos aparece, até que Anna quebra o espaço/tempo do infinito.

Veja o Trailer:

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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