Undine

Undine Christian Petzold Pôster

Sinopse: Undine (Paula Beer) trabalha como historiadora, dando palestras sobre o desenvolvimento urbano de Berlim. Porém, quando seu parceiro Johannes (Jacob Matschenz) a deixa, ela vive um intenso romance com Christoph (Franz Rogowski), que levará a novos desencontros.
Direção: Christian Petzold
Título Original: Undine (2020)
Gênero: Romance | Drama | Fantasia
Duração: 1h 31min
País: Alemanha | França

Undine Christian Petzold Imagem

Estranho Jeito de Desamar

O amor como manifestação é tal qual a felicidade. Tentar lê-lo como algo perene, como um estado de espírito estável, geralmente é feito para justificar socialmente suas relações. Amor é instante – mesmo que eles se sucedam em potencial escala. Amor é reflexo, posto que é verbo transitivo, ao contrário do que dizia o poeta. Por sinal, o livro de Mário de Andrade gira em torno de uma personagem alemã. Assim como “Undine“, protagonista vivida por Paula Beer em um dos grandes destaques do Festival de Berlim de 2020, uma das datas mais importantes do cinema europeu e mundial. De lá saiu vencedor dos prêmios de melhor atriz e de melhor filme pelo júri da crítica.

Por que questionar a temporalidade do amor como pano de fundo da análise da obra dirigida por Christian Petzold? Porque nos parece o amor, enquanto conceito, algo único. Há diferença entre amantes tão precipitados na sua intensidade quanto Romeu e Julieta e longas e duradoras relações como a que se refez há algumas semanas com o falecimento da atriz Nicette Bruno – que muitos lembraram na ocasião que reencontraria na eternidade seu amor Paulo Goulart? Se lhes parece que não, viaje fundo na trajetória de Undine. Se lhes provoca um senso de comparação, talvez a própria trama costurada pelo cineasta (e também roteirista) se erga tão fantasiosa quanto a execução.

Ondina é a famosa ninfa da água, que inspirou histórias que vão de “A Pequena Sereia” de Hans Christian Andersen a “A Dama na Água” (2006), divisor de águas (sem trocadilho) na carreira de M. Night Shyamalan. Petzold evoca, então, uma ninfa urbana e contemporânea. Devastada com a traição do seu amor,  Johannes (Jacob Matschenz), ela encontra uma dificuldade de aceitação da realidade. Sente a dor de quem revisita tudo o que lhe foi dito enquanto manifestação de carinho como uma falácia. Palavras ao vento, em aplicativos de mensagens de celular. Um prólogo de poucas contextualizações, visto que a vida de Undine precisa continuar.

Com isso, somos levados ao seu local de trabalho. Historiadora, ela trabalha de freelancer fazendo visitas guiadas para mostrar aos turistas as diversas configurações de Berlim enquanto território. Uma cidade marcada por uma divisão oficial e que precisou se entender enquanto uma só com a queda de seu muro em 1989. Aos poucos o espectador descobre que essa não foi a única reinvenção de Berlim. Porém, naquele instante, a própria protagonista precisa absorver o impacto do que acaba de lhe acontecer – para que surja, a partir dela, uma nova Undine. “Onde nós estamos agora?” é a pergunta que alguém faz ao olhar a maquete – talvez a única questão que a historiadora não tenha certeza da resposta.

Chama a atenção em “Undine” um interessante uso da trilha. “Adagio“, de Johann Sebastian Bach foi a escolhida e parece cumprir três funções distintas nos três grandes momentos em que é sacada. A primeira, logo após o rompimento, dá um peso à frustração seguida da melancolia de uma confiança traída. Quando ela surge novamente em cena, a protagonista já vive um romance com Christoph (Franz Rogowski), mergulhador industrial. Ela inicia ali um novo ciclo de confiança e a ópera ganha corpo nas despedidas de um relacionamento quase à distância, com encontros sazonais. Na terceira vez, o público já recebeu várias manifestações das fragilidades da relação. Vidros se quebrando sem nenhum sentido tornam a trilha ainda mais emblemática.

Petzold não explora tanto a Berlim como co-protagonista. Um território que se ressignificou através da arquitetura. A água, por sinal, parece ser inimiga dessa versão moderna de Undine. É como se ela desejasse ignorar a tradição milenar de promover a tristeza do amor frágil e da morte enquanto rompimento (visto que aquela que amamos nunca nos acompanhará). De certa forma, aquela fragilidade de um pesado aquário em cima de uma instante é apenas reflexo de outra, a das nossas relações. Para “Undine” o amor soa como um ideal e a releitura de si mesma acaba encontrando mais dúvidas do que certezas.

Ouça a Trilha:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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