Viajantes – Instinto e Desejo

Viajantes - Instinto e Desejo Filme Amazon Critica Poster

Sinopse: Em “Viajantes – Instinto e Desejo” um grupo de jovens é enviado ao espaço numa missão para povoar um planeta recém descoberto. Depois que o capitão da missão é misteriosamente morto, a jovem tripulação vai ao caos, revertendo para um estado primitivo, tribal, e cedendo aos seus desejos mais selvagens.
Direção: Neil Burger
Título Original: Voyagers (2021)
Gênero: Ficção | Thriller
Duração: 1h 48min
País: EUA | República Checa | Romênia | Reino Unido

Viajantes - Instinto e Desejo Filme Amazon Critica Imagem

Assim Viaja a Humanidade

Viajantes – Instinto e Desejo” chegou esta semana ao catálogo do Amazon Prime Video (por sinal, com um resultado final bem mais interessante que as produções da concorrente Netflix) com a ideia de ser o último experimento social da nossa espécie. O filme dirigido por Neil Burger é mais um que trata da possibilidade de colonização de outro planeta, aceitando que esse no qual vivemos não tem mais jeito (e é verdade, viu?). Além disso, nos deixa ainda mais próximos do apocalipse da Terra-1 e coloca como prazo para uma tripulação de colonizadores zarpar o ano de 2063, onde começa o longa-metragem.

Cada vez mais essa premissa é utilizada nas ficções científicas e tais obras, se não arrasam os quarteirões, servem como proposta de debates envolvendo a Humanidade – e a humanidade, esta que cada vez nos falta na contemporaneidade. Na história, trinta crianças, de arquétipos e fenótipos diferentes, são enviadas para o espaço em uma missão de oitenta e seis anos – e que será completada por seus filhos e netos – todos frutos de inseminação artificial. O único que conhecerá a ancestralidade de seres similares aos do grupo é Richard (Colin Farrell). A ideia é que eles sejam treinados para naturalizar o confinamento (opa!) e, quase de maneira hermética, não fincar nenhum tipo de raiz.

Para completar o planejamento, eles terão seus instintos controlados por compostos químicos. Ou seja, a Humanidade está materialmente se transportando para um novo território, mas para que seja possível que a viagem se realize em segurança, os traços de humanidade precisam morrer no percurso. Enquanto estética e linguagem, o cineasta não propõe nada novo, até porque a base da narrativa aqui é a instigante trama, a partir do roteiro do próprio Burguer. Alguns dos desafios aproximam o filme de “Passageiro Acidental” (2021), uma das boas surpresas da Netflix este ano.

Dentre eles, a necessidade de proteger as amostras que possibilitarão o desenvolvimento de biomas similares no outro planeta. Afinal, nosso conhecimento está limitado ao que temos acesso enquanto recursos naturais por aqui e apostar que encontraríamos formas de sobreviver (para além do oxigênio e da água) por outras bandas é bem arriscado. Outro desafio é a situação-limite que envolverá a necessidade de um reparo fora da nave. Richard perde contato com a Terra e precisa mexer em alguma rebimboca da parafuseta, algo que o longa-metragem estrelado por Anna Kendrick usa como grande plot e finca aqui suas representações.

Em “Viajantes – Instinto e Desejo“, entretanto, vamos bem além disso. O personagem de Farrell se despede precocemente e temos três dezenas de jovens sem um comandante. Zac (Fionn Whitehead) e Kai (Archie Madekwe), que estavam na sala de controle no momento do acidente, responsabilizam uma “força estranha”, que seria uma presença alienígena levando ao evento fatal. Alguns deles já perceberam que desenvolvem instintos juvenis bem interessantes quando não tomam o líquido “matinal” e abandonam essa prática. Dali em diante, a obra adquire um aspecto de leitura social de fato. A partir do despertar da sexualidade, começando pelo próprio Zac, que cresce para cima das garotas quando seus hormônios tomam conta do cérebro.

O primeiro impulso daquela pequena sociedade que se forma sem referenciais é o de escolher de maneira democrática um novo líder. Esse será Christopher (Tye Sheridan), que parecia mais próximo e conectado com o falecido capitão. Com o poder nas mãos, ele e Sela (Lily-Rose Depp) começam quebrando um importante protocolo. A ordem é a de destruir todas as memórias de Richard. Afinal, para o psicológico dele era importante relembrar sua ancestralidade, mas essa dinâmica que envolve laços familiares e afeto soaria estranha aos nossos astronautas algoritmizados. Esse contato estranho com aquelas imagens choca de plano e faz com que aquela sociedade passa a nos tratar como “eles” – uma diferença semântica curiosa.

Enquanto diálogo com questões sociais, o filme se sai bem. Bem melhor até do que “Passageiros” (2016), que não soube materializar as representações a partir do que seria um Adão e Eva vividos por Jennifer Lawrence e Chris Pratt. Reproduz as crises que novas dinâmicas atravessadas em uma comunidade em formação passa. Algo que a literatura dá conta desde sempre, seja em “A Revolução dos Bichos” ou “Ensaio Sobre a Cegueira“. Sem esquecer, claro, daquela que soa como a grande inspiração do texto, “O Senhor das Moscas” e sua abordagem ficcional distópica sobre a ideia de contrato social proposta por Thomas Hobbes ainda no século XVII.

Portanto, não espere nada muito fora da curva ou genial em excesso. Cada nova fase daquele grupo atrairá problemas parecidos com aqueles aos quais estamos acostumados, reforçando a ideia de que, enquanto animais, agimos por instinto. O inimigo externo será usado por Zac para liderar um resistência, propondo um poder extraoficial baseado no medo. É impressionante como a mistura de falta de informação e inconsequência daqueles jovens faz com que essa teoria falaciosa ganhe força rápido.

Esse é o ponto com maior chance de amplitude e correlação com as sociedades modernas, inclusive pela forma como esse líder paralelo usa a pós-verdade ao ser desmascarado. Diz que a força estranha ganha formas, adentra o corpo dos colegas e termina por instigar uma guerra civil que nos levará ao ato final do longa-metragem. Por fim, a humanização das relações traz boas e más consequências. De fato, controlar as dinâmicas sociais não parece um caminho acertado – mas deixar os tripulantes no modo “deixa a vida me levar” pode ser ainda mais desastroso.

Quando os ânimos se acalmam, a nova proposta de solução é um recado mais direto na realidade do que profético no suposto futuro colonizador. Ela passa, após a “garantia da lei e da ordem”, pelo aumento da participação democrática dentro daquele grupo. Fica a esperança de que “Viajantes – Instinto e Desejo” seja encontrado em algum HD daqui a alguns séculos (ou décadas?) para que as sugestões do que pode dar errado sejam encontradas pelos filhos dos nossos netos.

Veja o Trailer:

Clique aqui e leia críticas de outros filmes do Amazon Prime Video.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *