Sinopse: Transitando sem fronteiras entre o sertão cearense e os pântanos ao norte da Alemanha, entre a seca e a abundância, os cineastas registram a complexa e umbilical relação da raça humana com a água. Da mesma forma que cruza oceanos com a simplicidade de um corte, o filme flui entre a imaginação, o registro e o ensaio, propondo imagens, pensamentos e construções inesperadas a cada nova cena. Se o apocalipse climático parece cada vez mais inevitável, rever com olhos livres a condição humana face este elemento constitutivo do planeta parece especialmente relevante.
Direção: Philipp Hartmann e Danilo Carvalho
Título Original: virar mar / meer werden (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 25min
País: Brasil | Alemanha
Volume Morto
Assim como o curso dos rios, as vidas de Philipp Hartmann e Danilo Carvalho se cruzaram em alguns pontos de suas trajetórias. E viraram mar. “Virar Mar / Meer Werden“, parte da mostra novos olhares do 10º Olhar de Cinema é um documentário que une Alemanha e Brasil não apenas na produção, mas nos diálogos visuais, no debate envolvendo o ambientalismo e nas experiências de seus realizadores. Depois de ser apresentado no DocLisboa, dentre outros festivais, o espectador brasileiro tem a oportunidade de refletir, com quebras narrativas que vão da contemplação à comédia, sobre os cursos da nossa existência enquanto sociedade.
No ponto inicial, a abundância das águas com a força na Natureza. Até aqui não conseguimos precisar em qual ponto do planeta aquele bem vital se esparrama como se não estivesse cada vez mais escasso. Se pensarmos na importância do audiovisual como ferramenta de conscientização, podemos tratar com o humor debochado do próprio filme uma questão. Pegando esse prólogo, nos colocamos diante de um dilema que não soa rasteiro apenas para quem compra os discursos negacionistas: como contrariar a imagem? Como convencer que corremos o risco de desabastecimento iminente, de crise de energia nesse ou no próximo verão, se há tanta água por todos os lados?
Esse discurso atravessado e tosco é o mesmo daqueles que negam o aquecimento global dizendo que, na sua cidade, faz mais… frio. Em um mundo em que as representações imagéticas ganham muito mais força do que as palavras e, principalmente, os dados (científicos ou não), o cuidado sobre a produção é ainda maior. Por isso é sempre bem-vinda a migração ou união de fazeres, não apenas de Danilo e Philipp, mas do Philipp pesquisador e do Phillip cineasta. Na questão da ironia, há espaço para um Jesus que não consegue mais andar sob as águas.
Veja o Trailer:
Todavia, há (também) muita informação em “virar mar / meer werden“. O principal é colocar luz sobre os destruidores processos de aterramento e inundações que tomaram conta do mundo nas últimas décadas. Como se ecossistemas pudessem ser reconfigurados por força de novas demandas, sem que a Humanidade fosse punida, transposição de águas e desencaminhamentos para o desenvolvimento econômico foram observados, tanto no Brasil quanto na Alemanha. O filme não se fixará nos grandes centros urbanos e sim em regiões mais afastadas.
Isso não impede que se crie diálogos. Em um deles, um homem molha seu jardim de grama baixa despreocupado, por alguns minutos. A terra nem consegue irrigar esse tanto, soa como puro desperdício. Em uma país de proporções continentais como o nosso, é possível identificar essas diferenças. Territórios que precisam se reinventar pela seca enquanto outras não se preocupam em promover o mínimo de educação ambiental. Para alguns, porém, essa imagem já tem um peso. Assim como na artificialidade de um aquário, que também aparece em determinado momento da montagem.
A partir de drones, os espelhamentos e contradições visuais ganham forma e a experiência no trabalho de som de Danilo Carvalho é fundamental para uma sessão mais imersiva. Aliás, ele apresentou “O Sal da Vida“, um curta-metragem muito bonito, realizado à distância por ele e sua filha durante a pandemia, no último Cine Ceará. O som, aliás, foi um dos assuntos da conversa entre ele, Hartmann e Eduardo Valente no canal oficial do Olhar de Cinema no YouTube (e que você assiste ao final da crítica).
Quem já passou, mesmo que por estradas, na divisa entre APAs (áreas de proteção ambiental) sabe o poder de destruição dos proprietários de terra e a importância de lei e fiscalização mínima para que se estanque a sangria que inviabilizará nossa existência.
No longa-metragem, os espelhamentos também são culturais, unindo representações campesinas e sertanejas. São abordadas em sequências com tanta fluidez que, quando percebemos, estamos perdidos nessa ponte aérea entre continentes, criada na nossa cabeça. Porém, há momentos em que a obra parece mais um exercício de imagens do que propostas de reflexão, é verdade. Mesmo assim, é interessante perceber como os realizadores pinçam algumas questões envolvendo a água, mostrando que sua riqueza temática pode nos levar a vários caminhos.
Podemos dizer que, parte deles, retomam em outro filme do festival, “Rock Bottom Riser“, incluindo a religiosidade. Enquanto que ali ela é mais simbólica e usa a forma tradicional de bênção a partir do líquido puro, no outro documentário ele será mais alegórico – como trataremos no texto a ser publicado.
Pode ser que essa mediação de propostas torne a experiência do filme um pouco confuso para alguns, principalmente para quem deseja construir ideias na mente durante a sessão. “virar mar / meer werden” segue mais uma lógica de mapeamento crítico (outro diálogo com o filme já citado), de apresentação do problema de forma panorâmica e instigante. Daqueles que faz refletir, mas passando longe da solução. Ou seja, para aqueles que já se preocupam, esse novo alerta é apenas mais um gatilho de uma vida cada vez mais miserável.
Assista à conversa entre Eduardo Valente, Danilo Carvalho e Philipp Hartmann sobre “virar mar / meer werden”: