Programa 03 de Curtas | Olhar de Cinema 2020 | Mostra Outros Olhares

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Programa 03 de Curtas da Mostra Outros Olhares do 9º Olhar de Cinema

A Chuva, o Violino, os ETs e a Política

Memby Curta Olhar de Cinema Programa 03 Imagem
Memby (Rafael Castanheira Parrode, Brasil)

O Programa 03 de curtas do 9º Olhar de Cinema trouxe filmes estranhos. Em todos aspectos possíveis. Filmes que carregam em si algo de inconcluso ou muito fora do eixo que esperamos seja dentro da realidade, como acontece em “Alienígena“, ou que transborda de ironia como em “Manual do Zueiro Sem Noção“. Há ainda outro caráter inerente: a negação ou violência extrema que torna o que esperaríamos da realidade social um híbrido entre o que jamais deveria ser imaginado e o que sabemos acontecer.

Ao começar pelo ainda não citado “Memby” iremos fugir um pouco da linha que seguiremos em relação aos demais filmes que compõem a sessão. Trata-se de um curta experimental do realizador Rafael Castanheira Parrode, que parte da água da chuva até projeções sensoriais sobre a floresta com seus animais e suas plantas. O diretor sobrepõe imagens remetendo ao conceito de natureza una. Ainda que não sido intencional, o curta me remeteu à recente exposição realizada por Bjork, na qual a atriz multifacetada também se utiliza de organismos microscópicos para falar de universo como um ser maior, porém composto de minúsculas partículas. É o que o próprio realizador faz mais adiante no filme.

Depois da floresta, o céu com suas constelações e finalmente essas partículas microscópicas retorcidas dando a sensação de que passamos pela história biológica em minutos. Apesar desse caráter bem científico, o curta consegue trazer a poesia que é própria aos misteriosos caminhos do Universo. Para ser nada original irei citar a última versão da série “Cosmos” apresentada por Neil deGrasse Tyson na qual, logo no primeiro episódio o cientista lembra que nós, humanos, só aparecemos nos segundos finais de um calendário. O mundo biológico é vasto e encantador e Parrode consegue aliar as duas características em seu curta.

Eu Interior Curta Olhar de Cinema Programa 03 Imagem
Eu Interior (Mohammad Hormozi, Irã)

Em “Eu interior” o iraniano Mohammad Hormozi atravessa os rígidos padrões de vestimenta que impedem muitas mulheres de transitar pelas ruas. Sem apresentar somente uma visão sobre o polêmico (sabemos) assunto, consegue humanizar até mesmo aqueles que estão do lado rígido da lei seja por convicção, seja por necessidade. Não trataremos aqui de julgar as leis iranianas, pois não nos consideramos conhecedores profundos da temática, mas há que se compreender as diferenças culturais. Assim, o curta passa pelo olhar de crítica à inflexibilidade e às limitações impostas às mulheres, mas atinge um outro lugar ao atingir a música (ou a arte) como linguagem universal. Pequenos gestos de afabilidade ainda são possíveis até mesmo nos mais rígidos sistemas.

IAlienígena Curta Olhar de Cinema Programa 03 Imagem

O coreano “Alienígena” talvez tenha sido um dos filmes que mais me surpreendeu no Programa 03 de curtas. Imaginando que ele iria pelo lado da ficção científica ou, ao menos, de algum grau de anomalia para fora do sistema operacional humano, ele explora as anomalias causadas justamente por nós. Assim, o coreano Jegwang Yeon percorre as fábricas ilegais e a dureza da vida daqueles que estão expostas a tudo. Duas colegas e trabalho dividem uma pequena residência e discutem sobre a falta de dinheiro e as dificuldades de manutenção mínima das despesas, no entanto, não estamos preparados para quão crua será a jornada de Reoaghee e Hongmae. Yeon nos leva ao extremo e nos assusta ao pensarmos: Sim, isso deve acontecer cotidianamente. Já somos nós mesmos, aliens.

Manual do Zueiro sem Noção Curta Olhar de Cinema Programa 03 Imagem
Manual do Zueiro Sem Noção (Joacélio Batista, Brasil)

Fechando a sessão com “Manual do Zueiro sem Noção“, onde, a princípio parece completamente deslocado dos demais filmes, percebemos uma saída para os temas abordados anteriormente a partir do escárnio. Não meramente esdrúxulo, mas politicamente consciente. Ao criar uma narrativa jocosa sobre as atuações políticas, Joacélio Batista ri de si mesmo e de nós, que tentamos por vezes aplicar um discurso político ao que já saiu de domínio. Saiu, mas não deveria ter saído. Ao deixar a política longe do cotidiano, permitimos que outros (sabemos quais outros) se apropriem dos discursos e práticas que deveriam ser de todos.

O curta-metragem o lembra os vídeos iniciais de Leona Vingativa com uma mistura de “Ilha das Flores”, o que por si só, já aguçaria nossos olhares. No entanto, anexa a autozoação política. Perfeito para terminar uma sessão reflexiva nos fazendo rir, para não chorar.


Ficha Técnica da Sessão Programa 03 de Curtas da Mostra Outros Olhares

Alienígena Curta PôsterAlienígena (Jegwang Yeon, 15′ – Coréia do Sul)
Sinopse: Nas colônias de um capitalismo sem fronteiras, a força de trabalho é sempre formada pelo anonimato alienígena. É assim com duas mulheres cujos laços de proximidade desconhecemos, mas cujas rotinas nos são familiares: estamos falando de duas operárias de chão de fábrica em algum país estrangeiro a elas, onde ambas são estrangeiras ao mundo. Na ilegalidade, todo regime de exploração é possível, assim como são possíveis todos os mecanismos de controle e perseguição. Mas é preciso restaurar a dignidade humana nas frestas de paredes indiferentes.

Eu Interior Curta PôsterEu Interior (Mohammad Hormozi, 15′ – Irã)
Sinopse: Uma jovem violinista tem uma apresentação a fazer, contudo é impedida de entrar no local pois não está com uma roupa formal culturalmente usada por mulheres islâmicas. Na recepção, à espera para conseguir uma vestimenta emprestada, testemunha outras mulheres na mesma situação e diversos momentos de tensão. O filme aborda em um curto espaço de tempo uma cultura que se faz presente no cotidiano e pode tornar-se castradora, ao mesmo tempo que pode ser um terreno fértil para relações de cumplicidade.

Manual do Zueiro Sem Noção PôsterManual do Zueiro Sem Noção (Joacélio Batista, 16′ – Brasil)
Sinopse: Joacélio Batista cria, em Manual do Zueiro Sem Noção, uma alegórica e divertida síntese de questões políticas, sociais e culturais por intermédio de seus personagens: crianças. Instrumentadas por brincadeiras infantis que se passam na periferia, elas (as crianças e as brincadeiras) dialogam com a realidade social a partir do jogo irônico com uma linguagem adulta e, de certo modo, acadêmica. O que nessas brincadeiras pode realmente ser chamado de “sem noção” e o que deve ser levado a sério?

Memby (Rafael Castanheira Parrode, 17′ – Brasil)
Sinopse: Memby, filme de Rafael Castanheira Parrode, nos convoca sensorialmente à entrada de um mundo que não conhecemos ou sequer existe. Talvez seja um outro mundo possível, onde não estaremos mais ajoelhados diante de uma funcionalidade racional das imagens. Com construção sonora que passa por didjeridus e tambores, e imagens que se distorcem e amplificam, o filme evoca nossos anseios e lembranças ancestrais.

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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