499

499 Documentário Crítica Filme Pôster

10ª Mostra Ecofalante de CinemaSinopse: O ano de 2021 marca o aniversário de 500 anos da conquista espanhola do México. Através dos olhos de um conquistador fantasmagórico, o filme recria a jornada épica de Hernán Cortez da costa de Veracruz à capital asteca de Tenochtitlan, local da atual Cidade do México. Enquanto o personagem fictício anacrônico interage com vítimas reais das fracassadas guerras das drogas do México, o cineasta retrata a atual crise humanitária do país como parte de um projeto colonial brutal e inacabado, ainda em andamento, 499 anos depois.
Direção: Rodrigo Reyes
Título Original: 499 (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 27min
País: México

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Muitos Anos de Morte

Exibido em uma rara janela única de exibição da 10ª Mostra Ecofalante de Cinema, a docuficção “499” lembra uma data que os livros de História do Brasil, acostumados a ignorar parte dos conflitos que nos cercam na América Latina, registram de forma tímida. O ano é 1521, no que hoje se conhece como México, quando os espanhóis tomaram a capital do Império Asteca, Tenochtitlan, época que ficou marcada como de conquista dos europeus e de forte resistência do povo indígena. Um momento que, cada vez mais, gera reflexões e debates, como se observou nas cerimônias de duas semanas atrás, marcadas pelo discurso do Presidente do país, Andrés López Obrador.

O que o cineasta Rodrigo Reyes faz, então, é uma conexão espaço-temporal. Ele traz para o presente moderno um desses conquistadores, que vagará por quase uma hora e meia pela terra que ele desbravou ao custo de muito derramamento de sangue, mortes de inocentes e etnocídio. O longa-metragem não apenas se ergue como alegoria política, moldado aos tempos de revisionismo crítico, como possui a sensibilidade de trazer os elementos paralelos que chamariam a atenção de um turista tão distante.

Logo na primeira cena de “499“, o protagonista vivido por Eduardo San Juan encontra um copo de plástico na beira da praia. Uma sequência que terá diálogo visual com a outra ponta da obra, que conclui a trajetória do personagem em um imenso lixão a céu aberto. Com isso, não apenas os aspectos sociais, mas também os econômicos e ambientais se misturam na representação imagética do diretor. O conquistador pouco interage – até porque as mudanças na maneira de se expressar e no próprio idioma tornaria perto do impossível – e o espectador vive a experiência com o mesmo grau de observação daquele que acompanha.

A direção de fotografia de Alejandro Mejía é parte importante desta imersão. Não à toa, foi premiada no Festival de Tribeca do ano passado, quando foi apresentado. Pelo olhar da câmera, o público analisa o desenvolvimento das cidades e aspectos culturais que permaneceram na América Latina. O conquistador tem contato com parte do legado que surgiu do genocídio, das touradas à adesão ao Cristianismo. Neste sentido, o filme é panorâmico, um documentário que não se desdobra em testemunhos sobre os temas que carrega.

O protagonista de “499” vai aos poucos entendendo que condenou um povo (que ele chama de “esses miseráveis”) por toda a eternidade. Dialogando com uma filmografia da região que se vincula às novas leituras sobre a História (incluindo uma das estreias desta semana, a ótima produção brasileira “King Kong en Asunción“), a experiência do longa-metragem é a de resgatar as origens desta terra carregada de torpeza em suas relações humanas e erguida na base do sofrimento. O andarilho ainda encontra uma sociedade armada, de dar inveja ao ídolo do protagonista, o líder Hernán Cortés.

Ele percebe as consequências dos atos de seu grupo há cinco séculos e sente a impotência de quem analisa, em perspectiva, seus erros. Reyes, então, atualiza histórias de sofrimento cotidiano, a partir da escalada criminosa e da falta de confiança dos cidadãos mexicanos com a Justiça. De exemplos envolvendo o narcotráfico a episódios de homofobia, a obra traz outro tipo de panorama em sua parte final. Imagens de um conquistador perdido no futuro se unem a longos, detalhados e tristes depoimentos de representantes do povo dos dias de hoje.

A América Latina até hoje compra novas ideias de heroísmo. Não apenas segue louvando tiranos, assassinos e ladrões que destruíram o território e os povos originários como um rolo compressor como acredito que a solução para os problemas de sempre passa por manter o poder nas mãos daqueles que provam há séculos que não atuam a favor de nosso interesse. “499” é uma das mais melancólicas celebrações de uma data histórica e o motivo é dos mais curiosos: traz para a festa aquele que se diz dono dela.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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