Sinopse: Entediado com esse confinamento (o que é bom) para cuidar de nós mesmos, verificando coisas – limpando discos rígidos, encontrei vídeos que havia filmado há muito tempo, entre 2006 e 2008, de jovens a andar de skate, de bicicleta, caminhando: coisas de adolescentes. São imagens de outros filmes deixadas para trás e imagens cedidas. Editado entre abril e maio de 2020.
Direção: Raul Perrone
Título Original: 4lgunxs Pibxs (2020)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 8min
País: Argentina
As Facetas de Raul Perrone
Costuma ser difícil escrever sobre um diretor o qual admiramos profundamente. Há alguns anos tive a oportunidade de escrever sobre Hierba (2015) e agora, novamente pego uma obra de Perrone para analisar. Uma coisa que podemos falar de cara é que o diretor é extremamente produtivo e múltiplo, assim que durante a Quarentena , não poderia ser diferente. Ainda que impedido de registrar novas imagens, Perrone utiliza antigos trechos de material filmado entre 2006 e 2008 e inicia o trabalho. É assim que o diretor chega ao Festival Ecrã 2020, após passagem no Festival do ano passado, com “4lgunxs Pibxs“.
A primeira surpresa vem já na primeira sequência da obra. Raul revela o processo, mostrando velhas imagens dubladas em português( algo meio Hermes e Renato) enquanto adianta e retorna o que vê diante de seus olhos. Parecia estar procurando um objeto e, ele aparece, ainda que tangencialmente. Assim, podemos entender que o skate e os skatistas perpassam grande parte da obra, mas não são necessariamente o objeto central. Como costuma ser padrão nas obras do argentino, os sujeitos, os lugares e as questões passeiam pela tela sem que tenhamos muito tempo para fixá-las. Perrone parece um Benjamin pós-moderno: o que pode ser fixado e completamente apreendido, está morto- porque já não permite a troca ou o diálogo.
Como avisei de início, em minha percepção, nosso hermano é um dos mestres do cinema experimental justamente por não gostar de rótulos. Cinema autoral, experimental, documentário ficcional, ficção documental. Ele se encaixaria em qualquer um dos gêneros e em nenhum.
Não faz questão de explicar muita coisa e, apesar de admitir que esse filme é bem diferente dos demais que já assisti- incluindo aqui Hierba, que tive o prazer de ver durante o BAFICI de 2016 – não me parece que essa seja uma questão tampouco no resto de sua diversificada obra (composta por mais de 20 filmes desde a década de 90). Perrone trabalha com experimentações de sons e imagens. Então, embora possamos pensar grande parte de “4lgunxs Pibxs” como um ensaio visual sobre o ato de andar de skate, temos acesso ao entorno da pista, ao caminho dos skatistas e a seus encontros. Imagens saturadas, sobrepostas, em preto e branco. Sons distorcidos, mixados, trabalhados na pós-produção, música incidental. Temos de tudo um pouco. Tanto que a obra permite-se existir em três idiomas: espanhol, português e inglês.
Em “4lgunxs Pibxs” Perrone incrivelmente dá mais um passo. Sem muita conexão entre si, as imagens falam por si próprias, mas surpreendentemente trabalham e um conjunto que só poderia ter vindo da cabeça do diretor.
O tema, skate- caso queiramos ficar presos a um, se repete de diversas formas e em diversos lugares.
A liberdade estilística e narrativa de Perrone faz com que desde a cena inicial, na qual podemos notar um pedaço de sua mão, fiquemos um pouco como os skatistas que terminam o filme. Com um olhar de expectativa, tentando entender qual é o nosso momento de apreender o jogo e quando ele irá mudar.
E, com um papel que escreve a próprio punho, finaliza mais uma obra e exibe os créditos de seu novo experimental. Não antes de um time lapse. “4lgunxs Pibxs” nos ensina a não esperar nada e a esperar tudo do diretor.
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