4×100: Correndo Por Um Sonho

4x100: Correndo por um Sonho Filme Crítica Pôster

Sinopse: Um grupo de atletas de revezamento tem uma nova chance de reescrever sua história nas Olimpíadas de Tóquio. Para isso, elas vão precisar deixar suas desavenças de lado e provar que o amor pelo espore segue mais forte do que nunca.
Direção: Tomas Portella
Título Original: 4×100: Correndo Por Um Sonho (2021)
Gênero: Drama | Esporte
Duração: 1h 39min
País: Brasil

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Sonhos Adiados

Com mais de trinta anos de projetos audiovisuais, a Gullane Entretenimento desenvolveu em “4×100: Correndo Por Um Sonho” um de seus mais ambiciosos projetos – e contou com a distribuição da Imovision para ter seus horizontes ampliados. Pensado para ter a força midiática e atrair o poder de interesse que os Jogos Olímpicos costumam ter a cada quatro anos. Este é o momento no qual estamos passando, porém em um contexto inimaginável quando o Rio de Janeiro sediou o evento em 2016.

Estreando na metade do período dos jogos de Tóquio na plataforma de streaming do Telecine, aquele país, aquele mundo e aquele esporte imaginado por nós e os realizadores da obra não existe mais. No caminho, boa parte do público e equipe viveram processos de adiamentos e resiliências parecidos com as protagonistas do filme.

O longa-metragem conta a história de Adriana (Thalita Carauta), uma velocista apontada como responsável pela perda da medalha olímpica no ciclo de 16, ao derrubar o bastão do revezamento 4×100 de atletismo, na passagem final para Maria Lúcia (Fernanda de Freitas). Só as duas sabem o que aconteceu na véspera da prova, em que uma disposição fez a sua colega de equipe não ir com força total para a derradeira bateria. Porém, nada disso se tornou público e em uma sociedade que busca culpados e os amassa de forma instantânea, a corda arrebentou para ela.

Em 2019, Adriana está dedicada ao MMA, em uma mistura de busca por novas formas de competição e tratamento de seus próprios traumas. Já Maria Lúcia se tornou um novo tipo de celebridade, uma mistura de garota-propaganda diferenciada no ramo esportivo e influenciadora digital. O texto deixa claro, sem verbalizações desnecessárias, que parte desta realidade se deve à posição de privilégio da personagem de Fernanda. Se encaixando no famigerado padrão, ela inicia um ciclo olímpico com tranquilidade – mesmo que seu rendimento pessoal e da nova equipe do revezamento esteja aquém das expectativas. A colega/oponente será fundamental para que o ímpeto de competição ganhe forma novamente.

O diretor Tomas Portella tem um grande desafio em “4×100: Correndo Por Um Sonho“, principalmente nas sequências mais imersivas, as cenas que envolvem as corridas. Dependendo de CGI para trazer a atmosfera de um estádio olímpico e precisando aliar a representação de corrida em alta velocidade com uma montagem inteligível, é difícil que o resultado final não traga uma plasticidade estranha, com movimentos e montagem pouco fluidos.

Além disso, com um design de produção que busca a fidelidade – para obter e desenvolver as marcas envolvendo as Olimpíadas (fundamental para o potencial mercadológico da obra) – o espectador terá que conviver com simulações de narrações envolvendo figuras conhecidas do jornalismo. Por mais que se esforcem, as falas empostadas e demarcadas de Luiz Carlos Jr., Glenda Kozlowski e Robson Caetano pecam pela falta de naturalidade, já que é quase impossível a quem não é profissional da atuação refletir a emoção do momento.

O que o cineasta faz, então, é apostar alto na construção dramática da história. Com poucos diálogos, usa o ótimo trabalho de Thalita Carauta como âncora. Sem precisar buscar origens no passado de Adriana, nos convencemos antes da corrida no Rio que a história de sua vida passa pela cabeça do atleta naqueles momentos que antecedem a final. É quando todo o esforço, que supera o arco de quatro anos, é colocado à prova. Por mais que seja notória a ausência de incentivos ao esporte e a superação imposta aos medalhistas e atletas que conseguem índices para as Olimpíadas, o Brasil segue até hoje uma lógica de empolgação e frustração, de “derrotas” superdimensionadas e vitórias capitalizadas de maneira desproporcional.

Sem saber que o evento em Tóquio ficaria marcado pelos debates envolvendo a saúde mental da norte-americana Simone Biles, “4×100: Correndo Por Um Sonho” consegue traçar algumas linhas sobre o tema. Em uma perspectiva que extrapola o pessoal e chega à equipe – apesar da ginasta ter sido afastada no início da prova em que representada seu país.

Portella faz isso em um extenso ato inaugural no qual Adriana e Maria Lúcia evitam o contato, adiam ao máximo o diálogo que a faria melhores como esportistas e como pessoas. Há trechos em que as caracterizações das personagens dependem de fatos isolados, o que faz uma parte do filme se basear em uma narrativa situacional, por vezes exagerada e deslocada. Um exemplo é a cena do assalto na loja frequentada pela personagem de Thalita, demarcando os aspectos sociais e as dificuldades pelas quais ela passava.

Todavia, são poucos os elementos desabonadores do longa-metragem. Conseguindo atravessar assuntos, que inclui o doping e os traumas das derrotas, a obra vai deixando de lado as dificuldades técnicas para focar nas trajetórias sobre a recuperação de confiança. Tanto em si mesmo quanto no grupo no qual suas protagonistas estão inseridas. Ser atleta brasileiro é se adaptar a uma realidade de convívio com a dor e a frustração – o sucesso soa quase como um erro sistêmico. Uma atleta mulher, então, faz das vitórias ainda maior, pois são ainda mais raros os incentivos à sua profissionalização.

Devemos lamentar que o projeto e a divulgação pensada aqui tenham sido atropelados pelas circunstâncias. A pandemia de covid-19 fez com que, pela primeira vez na história, os Jogos Olímpicos fossem adiados. Com ele, o lançamento de “4×100: Correndo Por Um Sonho” – que é dedicado e faz referência às atletas pioneiras e paradigmáticas nos créditos. Um efeito cascata, de danos ampliados pela forma como o Brasil não conseguiu se organizar enquanto Estado e povo para tornar menos grave a circulação do vírus e o número de mortos.

Ao ocupar a principal estreia da TV a cabo e do streaming no final de semana de Tóquio 2020 – apenas em 2021 – conseguiu nos aproximar ainda mais do clima olímpico. Dialogou bem com os dramas reais de nossos compatriotas, que são lembrados pela mídia e pelo governo quando a medalha reluz em seus peitos.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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