5x Comédia | 1ª Temporada

5x Comedia Critica Série Amazon Prime Video Pôster

Sinopse: Partindo de diferentes pontos de vista, 5X Comédia aborda questões como sexo, trabalho, relacionamentos, família, solidão, medo e desejo de viver em estado de isolamento. Questões como as diferenças de classes e privilégios da nossa sociedade também estão presentes na série, ampliando o debate e trazendo mais diversidade ao projeto.
Direção: Monique Gardenberg, Charly Braun, Pedro Coutinho e Rafael Primot
Título Original: 5x Comédia | 1ª Temporada (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 2h 18min (5 episódios)
País: Brasil

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Quando Devemos Sorrir

5x Comédia“, que chegou essa semana no catálogo da Amazon Prime Video, surge com objetivos diretos e indiretos, com uma premissa que – antes de assistir aos cinco episódios – já imaginávamos que provocaria uma mistura de sensações. Estrelado por nomes populares do humor dentro da bolha da internet e desdobramentos de produções de conteúdo que nela surgiu, a série, de curta duração, traz cinco histórias que acontecem no atual período de isolamento social provocado pela pandemia de covid-19. Apesar da estreia quando completamos um ano de uma quarentena fajuta e ineficiente no país, muitos aspectos aqui já soam datados, quase como registros de uma História que anda rápido demais.

Há um debate ético que paira pela obra – e que talvez faça muitos clientes do serviço de streaming sequer dar play, pelos mais diversos motivos. Quando devemos começar a rir de uma situação de catástrofe? De uma crise nunca antes vista por nossa geração? Já tiro desde logo da frente a problematização da forma e digo que o riso pode ser provocado a qualquer instante – respeitado, claro, aqueles que não veem sentido em consumir tal produto por não enxergar motivos para graça. O lançamento do programa me fez recordar do que circulou em torno de “As Torres Gêmeas“, drama esquecido na filmografia de Oliver Stone, lançado em 2006. Se discutia se cinco anos era tempo suficiente para amadurecer a dor do maior ataque terrorista no território do Ocidente, que surpreendeu os norte-americanos por ter uma prévia do que é a guerra em seu território.

O mundo hoje não comporta mais um debate assim. “5x Comédia” é a prova do ritmo acelerado ao qual estamos enquanto sociedade e da maneira como a instantaneidade tomou conta das nossas vidas. O canal Porta dos Fundos (de onde saiu parte do elenco da série) já trouxe aos seus quase 17 milhões de inscritos fragmentos de piadas no contexto pandêmico. Ainda em março de 2020, os vídeos da Quarentena com Dona Helena já pulsavam em nossas timelines como “alívio cômico” da tragédia que se transformou nosso cotidiano. Em um dos momentos mais criativos do grupo nos últimos anos, os episódios de Trabalhando em Casa começaram a ser publicados no mês seguinte (foram poucos, infelizmente).

Com isso, afasta-se para muitos a ideia de que é “cedo demais”, até porque a dinâmica da narrativa aqui é bem parecida, são histórias simples, personagens que precisam se basear em uma caracterização rápida para o humor tomar conta. Apenas a duração é apenas um pouco maior do que as esquetes mais ligeiras ou as performances das redes de Yuri Marçal, protagonista de um dos episódios.

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Tratando na ordem pelo qual se apresenta no menu da Amazon, apesar de não haver nenhuma relação entre eles, “5x Comédia” tem início com “Hipocondríaco“, estrelado por Gregório Duvivier. Nele, o medo e a neurose da contaminação toma conta de João (dessa vez ele não se chama Jorge), que se isola no quarto por conta de alguns espirros e começa a se comunicar com esposa, filho e mãe – todos moradores da mesma casa – pelo telefone. Duas questões chamam atenção logo de cara na história inaugural. A primeira, já mencionada, é como certas abordagens já soam datadas. Com o passar das semanas, o isolamento total para grande parte das pessoas, mesmo aquelas que conseguem realizar seus compromissos dentro de casa, soou impossível. João é um personagem que deixou de existir para grande parte da classe a qual ele representa.

Isso nos leva à segunda questão: a série tenta abarcar e dialogar com o maior número possível de pessoas que vivem nos grandes centros urbanos. A primeira trama pode dar a impressão de que estaremos diante de dilemas de classe média ou de privilegiados que possuem nas mãos ferramentas possíveis para manter uma rotina menos desagradável que aqueles que passaram a se preocupar com o dia seguinte – não apenas em relação à saúde, mas em vários fatores da vida. A comédia aqui funciona bem porque Duvivier (que adaptou seu “Greg News” de casa e trouxe momentos inesquecíveis em 2020) se encaixa bem nessa persona, ele executa com facilidade o papel do homem que transita da ironia para a passivo-agressividade, sempre com uma mistura de medo e deboche. Se você gosta da trajetória do artista, não terá problemas em se conectar com o episódio.

Na parte técnica, “Hipocondríaco” também reflete o modus operandi da produção audiovisual limitada pelos efeitos da pandemia, algo superado pelo caminho de igual forma. Usa as telas de celular como possibilidade de linguagens e como âncoras da narrativa. Há uma surpresa positiva quando percebemos que a série fugirá dessa lógica, dessa zona de conforto que cansou o espectador nos últimos meses. Na temática, hoje parece um passado distante lembrarmos das dificuldades de manter os mais idosos em casa ou de quando exercíamos diariamente nosso dever cívico de bater panelas, achando um absurdo chegar a cem ou duzentas mortes diárias sem nenhuma medida do Governo Federal.

O segundo episódio já nos confronta com uma realidade mais perigosa e menos engraçada a partir do seu título: “Colapso“. Uma palavra que está há algumas semanas nas principais manchetes. A forma pela qual não conseguimos lidar com a covid-19 (e em vários textos aqui na Apostila de Cinema tratamos do assunto com pílulas dentro da complexidade desta sentença), fez com que a corrida pela vacinação dividisse espaço pelo colapso das redes públicas e privadas de saúde. No momento em que escrevemos essa crítica é difícil apontar um local do país onde, caso seja necessário um leito para atendimento, pudéssemos ser atendidos.

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Isso nos leva a um segundo embate sobre o lançamento de “5x Comédia“. Quis o destino que ele chegasse à superfície no pior momento da atuação do novo coronavírus no Brasil. A história do porteiro Zezinho, vivido por Rafael Portugal, resgata um debate que agora soa embrionário, sobre a parcela da população que não pode parar – para que a outra pudesse ficar em casa. Se arriscando em transporte público, a solução dada ao personagem foi ele morar, de improviso, no prédio de luxo, onde se comunica via chamada de vídeo ao longo de todo dia com a esposa Maria (Samantha Schmütz). Com a renda perdida, ela tenta ganhar algum dinheiro costurando máscaras.

De dentro de um dos apartamentos, Edgar (Gabriel Godoy) é a materialização daqueles que proclamam que a economia não pode parar. Em outra ponta envelhecida do trauma de um ano atrás, a graça aqui é acompanhar o baque que o capital especulativo enfrentou quando toda a população do planeta foi convidada a se resguardar. Por consequência, a consumir menos. O toque dramático do trecho final de “Colapso” é o que mais funciona, tanto que os créditos de forma assertiva chamam nossa atenção sobre o índice de vítimas de baixa renda em comparação com a elite, que importou para o Brasil a doença.

Falhamos enquanto sociedade muito por conta do sistema movimentado por Edgar. Em nenhum momento o consumo consciente se tornou pauta, pelo contrário. A motivação para readequarmos nossas finanças para manter a máquina girando foi imediata. Nunca refletimos que ela, afinal, não se mexe sozinha, que a tecnologia (ainda bem) não substituiu por completo os humanos e que a classe trabalhadora não teve escolha. Acabou exposta – e no que se expôs para garantir o seu conforto, não aceita que digam que ela deve se preservar justamente em sua folga, em seu momento de lazer. Uma abordagem que surge a partir de um desdobramento que a série não atingiu, provavelmente pelos textos serem finalizados há alguns meses.

Yuri Marçal Critica Série Amazon Prime Video Imagem

O terceiro episódio de “5x Comédia” consegue fazer rir sem depender da situação pandêmica propriamente dita. “Sexo Online” usa a crise econômica e o isolamento social como premissa, mas funcionaria independente disso. Claudia (Martha Nowill), grávida de gêmeos, perde o emprego (que exercia de maneira informal, sob o título de, urgh, colaboradora). Ela o marido Chico (Luiz Braga) não têm o que cortar do orçamento, inclusive as parcelas assustadoras da viagem para o exterior paga em moeda estrangeira – que viraram um pesadelo pela desvalorização do real.

Ela, então, se arrisca em empreender como camigirl. A cena inicial do episódio é uma das melhores, com a demissão da personagem, após a administração da agenda de seu e-mail mostrar inúmeros compromissos e uma capacidade de organização. A câmera abre, no momento de desolação, revelando sua gravidez. A química entre os atores se destaca, a história em si permite uma sequência de cenas hilárias. Se Duvivier trouxe a bolha privilegiada da elite e Portugal o dilema da classe trabalhadora, Nowill e Braga constroem uma narrativa típica da classe média, aquela diretamente afetada pelas variações econômicas de um país pobre – e que insiste em ser preconceituosa e eleger seus governantes movidos pelo ódio.

De certa forma, o terceiro e o quinto episódio trazem ambientações e questões parecidas. “Sem Saída“, que fecha a série, é protagonizado por Gabi (Thati Lopes, uma das melhores comediantes do país). Ela e o namorado Lucas (Victor Lamoglia) decidem se juntar no início da quarentena, uma alavancada no relacionamento que pegou de surpresa muita gente em 2020. Um mês depois, eles já estão em consulta virtual com uma terapeuta de casal, se perguntando como aquela paixão tórrida virou uma crise conjugal.

Usando novamente a classe média como objeto, aqui estamos diante de um jovem casal que se une, além do sentimento, pelas dificuldades em se manter financeiramente na pandemia. Assim como Claudia e Chico precisam resgatar o amor quando o dinheiro some. Passar por um processo de amadurecimento que, além de precoce, acontece em uma velocidade frenética, talvez seja um dos grandes traumas desse recorte da sociedade. Gabi e Lucas testemunham um amor ainda em formação e a realidade exige demais deles. Descobertas sobre a intimidade em profusão, em um ritmo alucinante. Uma dinâmica capaz de acabar com casamentos de anos, em virtude do isolamento social nos confrontar com o outro, sem chance de fuga.

Ao debochar da classe média, a série encontra um rumo. O mesmo não acontece quando usa o trabalhador como pano de fundo. “Colapso”, com Rafael Portugal, tematicamente dialoga com o quarto episódio, “Cinderela“, estrelado pelo talentoso Yuri Marçal. Talvez seja a única vez em que o programa tropeça, não encontra um tom. Ou até atinja objetivos, mas todos voltados a uma narrativa dramática. Robinson é um jovem da comunidade do Vidigal que produz conteúdo, mas para poucos seguidores. Ele se muda para a mansão da produtora que promete transformá-lo em uma pessoa famosa.

Os temas aqui tratados surgem enviesados. Tanto em relação às dificuldades de manutenção do isolamento e de cuidados básicos de saúde em zonas periféricas (algo que o seriado “Na Fila do Sus“, da Bombozila, tratou bem no início da pandemia, principalmente o episódio “Favela Nós por Nós“), quanto na vida pessoal do protagonista. Robinson é um jovem que vê sua chance de crescimento impedida pela situação do mundo. O flerte virtual com um cara que parece perfeito para seu ideal de relacionamento divide espaço com o medo de ter em casa uma profissional da linha de frente, a irmã Jaqueline (Roberta Rodrigues). Apesar da construção narrativa bem elaborada, o humor é extraído em poucos momentos em que Marçal desenvolve algumas de suas paródias, incluindo um rap brilhante. Talvez seja a única passagem onde, não por culpa da equipe da série nem do elenco, as dificuldades que compõem a trama torne muito difícil achar graça.

Por isso, o título desta crítica a “5x Comédia” não se pontua. Não é uma pergunta, nem uma sentença. Quando devemos sorrir? Cabe a cada um de nós saber. Mas, devemos sorrir em algum momento e quando o seu “Quando” chegar, é bom ter seus companheiros do bom humor por perto para te ajudar.

Veja o Trailer:

 

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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