7 Cortes de Cabelo no Congo

7 Cortes de Cabelo no Congo 2022 Crítica Filme Apostila de Cinema Poster

Sinopse: Um salão de cabeleireiro. Sete cortes de cabelo. Sete experiências de exílio. O documentário protagonizado pelo dono do salão, Fernando “Pablo” Mupapa, parte do ritual do corte de cabelo para se abrir a ouvir as vozes e os relatos de imigrantes da República Democrática do Congo no Brasil. Na conexão com África, os diálogos entre Pablo e seus clientes registrados pelos cineastas revelam as afirmações de identidade e o sonho de uma revolução anti-imperialista.
Direção: Luciana Bezerra, Gustavo Melo e Pedro Rossi
Título Original: 7 Cortes de Cabelo no Congo (2022)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 30min
País: Brasil

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Cheio de Cortesia

Vencedor do prêmio de melhor longa-metragem brasileiro do 11º Olhar de Cinema de Curitiba, o documentário “7 Cortes de Cabelo no Congo” traz dois diretores do grupo Nós do Morro (o atual professor-monitor Gustavo Melo e a atual Presidenta Luciana Bezerra), em parceira com Pedro Rossi, para apresentar novas colônias de refugiados da África no Rio de Janeiro, que migraram de seus países desde que as tentativas de emancipação daquelas nações foram sufocadas e se tornaram sangrentos conflitos.

Se em “Sem Caminho Direto para Casa” conhecemos uma história de retorno ao Estado do Sudão do Sul, aqui estamos em uma comunidade carioca onde Pablo é dono de um salão. Usando apenas aquele espaço, os cineastas registram a transição de personagens do Congo e de Angola. Com falas fortes e carregadas não apenas de consciência política, mas de entendimento do atual panorama de suas terras-natais, esses agentes comprovam que o refúgio não foi uma escolha. Muitos sonham com um futuro que permita um retorno às suas origens e suas raízes.

Há uma forma de exercitar a narrativa que faz de “7 Cortes de Cabelo no Congo” perfeito para o público e jurados de festivais como o Olhar de Cinema. A partir de um progressismo que surge mastigado, com uma mistura de espontaneidade e boa teatralização. Veja, não há aqui uma crítica sobre esse modus operandi, pelo contrário. Na conjuntura com a qual a obra se apresenta e trazendo temas e expressões de diáspora ainda pouco conhecidas por muitos, sua jogralização segmentada parece ser a ideal para a proposta.

Sendo assim, o neocolonialismo é o assunto que aparece na primeira das sete sequências do longa-metragem. O controle da França sobre as nações africanas libertas ao longo do século XX mostra que a ideia e a busca por ancestralidade, tão valiosa para o pensamento crítico em um Brasil que passou a ocupar o Brazil elitista acadêmico de outros tempos, já faz parte da constituição de povos como o congolês. A ingerência linguística surge como parte importante do problema, chamada assim com todas as letras.

A partir de uma conversa sobre presença do Talibã no Paquistão, opiniões sobre a representação diplomática ganham a tela. Parece que o que une a pluralidade de culturas e discursos daqueles agentes é a defesa dos interesses e da soberania de países que eles tiveram que deixar para trás. Com isso, o documentário dá arsenal para quem deseja se aprofundar na história recente de algumas nações da África.

Em uma das passagens, há uma certa dose de denuncismo de golpe contra qualquer líder progressista do continente, uma leitura que reverberará na intervenção musical de seu protagonista – sem dúvida o momento mais emocionante do filme. Assim como na América Latina, aprende-se na escola a visão eurocêntrica do passado, dando a genocídios tons de conquista e às guerras certas justificativas que os costumes nos provarão serem falsas.

Uma gênese notória da crise na África nos últimos séculos se deu pelo desrespeito ao que poderia se extrair de ideia de fronteiras quando da dominação europeia. De forma artificial e proposital, Reino Unido, França, Portugal, Bélgica (dentre outros), reuniam em uma mesma geografia culturas tradicionalmente antagônicas ou isolavam representantes de uma mesma expressão de povo. Usaram todo o conhecimento filosófico e social de constituição de identidade para destruí-la em espaços que gostariam de extrair as riquezas, ao custo da vida de outros seres humanos.

O Congo é um dos destaques nesse sentido. Depois da exploração de ouro e diamante, o coltan (75% das reservas mundiais estão lá), o urânio e o cobalto são algumas das matérias-primas que a Era tecnológica impõe. Os conflitos constantes não deixam que as releituras e revisões sobre o território e até mesmo o idioma sejam colocadas enquanto medidas emancipatórias. O que se convencionou – e se autodenominou – Primeiro Mundo não quer a paz, não quer a riqueza cultural, não quer essa emancipação. Usa todas as armas possíveis e por vezes de vale de instituições que estão distantes dela como aliada.

Aqui podemos mencionar a Igreja Universal, um vespeiro que “7 Cortes de Cabelo no Congo” não mexe – e não cabe a nós julgar se por impossibilidade (não se produziu material nesse sentido) ou conveniência (enquanto estrutura fílmica e escolhas das mais difíceis de seus realizadores). Uma forma moderna de evangelização que fez questão de estender seus tentáculos para um continente que professa todo tipo de fé e precisa de tudo menos de opiniões desfavoráveis à tolerância religiosa. Em Angola, a instituição foi cooptada por bispos do país em junho de 2020, deixando de se submeter à estrutura organizacional de Edir Macedo.

Assista à conversa sobre “7 Cortes de Cabelo no Congo” pelo canal oficial do Olhar de Cinema:

Em “7 Cortes de Cabelo no Congo” também há espaços para supostas amenidades, que se converterão em novas expressões de cultura. Em uma delas, o amor incondicional pelo time de futebol surge no centro do debate. A origem de alinhamento racista e segregador do Flamengo em oposição à contribuição histórica do Vasco da Gama não impediu que o time mais amado pelo povo seja um clube sediado na Gávea (e que, até hoje, quando pode, usa sua estrutura e seus estatutos a favor de uma minoria elitista – e falo isso sendo um torcedor do Flamengo).

Um respiro depois que os diretores foram mais a fundo nas memórias de guerra, se valendo de imagens de arquivo que quebram a aconchegando e dinâmica estrutura de montagem que nos deixa confortável no salão de Pablo quase todo o tempo.

Assim como “Rolê – Histórias dos Rolezinhos“, de Vladimir Seixas, um dos premiados e destaque do Olhar de Cinema do ano passado, “7 Cortes de Cabelo no Congo” mostra a força do audiovisual negro brasileiro. De guerrilha, mas sabendo usar os expedientes e engrenagens bem recebidas pelo seu espectador. Estamos diante de mais uma produção capaz de ir além, de ampliar o alvo de público. Envolve a plateia com objetivos alcançados com louvor: inicia a jornada pelo neocolonialismo e termina com minutos finais bem incisivos sobre reparação histórica. Aquela que a Europa acha que conseguirá fazer com tímidas desculpas, providencialmente pensadas por um mercado globalizado que sabe que a África é o futuro feliz que nos aguarda.

Assista à Canção do Exílio de Pablo:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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