500 Mil Quilômetros

500 Mil Quilômetros Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Após atingir a marca de 500 mil quilômetros rodados, um caminhoneiro corre o risco de perder o emprego para um novato.
Direção: Ivan Ayr
Título Original: Meel Patthar | मील पत्थर (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 38min
País: Índia

500 Mil Quilômetros Crítica Filme Netflix Imagem

Entre a Novidade e o Descartado

Em mais uma interessante estreia da semana que passou pelo Festival de Veneza 2020 (desta vez na mostra Orizzonti), a plataforma de streaming Netflix lança em seu catálogo “500 Mil Quilômetros“. A produção indiana, dirigida e escrita por Ivan Ayr (roteiro ao lado de Neel Mani Kant) será mais uma a abordar as relações de trabalho contemporânea e a influência do aumento da migração de territórios a partir da globalização.

O longa-metragem não tem um ritmo atraente para aqueles que buscam uma narrativa compacta, dinâmica, tradicional. O protagonista é o caminhoneiro Ghalib (Suvinder Vicky), que parece estagnado, em letargia. Nem tanto em compasso de espera. Sua vida parece mesmo paralisada. Socialmente, ele enfrenta o luto pela morte da esposa, Etali, e os questionamentos de sua cunhada e sogro em uma mediação que tenta chegar a um lugar-comum sobre reparações financeiras e sentimentais. No trabalho, ele se vê diante do risco de perder o emprego para Pash (Lakshvir Saran), enquanto testemunha o movimento grevista do grupo de transportadores da companhia, o que sobrecarrega o seu grupo.

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O título do filme traz a marca do velocímetro do veículo dirigido pelo personagem. O primeiro a atingir os 500 mil quilômetros rodados naquela cooperativa. O reflexo de sua produtividade, mas também de sua fuga na atividade que desempenha. O cineasta desfolha a narrativa aos poucos, demoramos a saber a origem da tristeza de Ghalib. Suas dinâmicas sociais parecem difíceis, às vezes soando distantes. Ele parece trabalhar dentro de si as reflexões sobre responsabilidades e culpa pela atual situação.

É quando Ayr nos revela que o caminhoneiro se mudou para a Índia vindo do Kuwait, seu país de origem. A justificativa está no ano de 1990, quando as tropas iraquianas de Saddam Hussein, com o apoio dos Estados Unidos, atacou a nação árabe na conhecida Guerra do Golfo.

A paralisia da atividade do protagonista o coloca diante de pequenos conflitos de sua comunidade, que envolve vizinhos da região da Caxemira e sua relação com Dillbaug, outro veterano da empresa que vai sendo descartado. O homem parece tentar chegar a um equilíbrio entre a vida do colega e a do novato Pash, que começa a ter suas primeiras experiências na estrada, desde o enfrentamento da morte até blitz corrupta de policiais.

Não há, na linguagem, uma predileção de forma por Ivan Ayr (que também editou a obra). Os primeiros quinze minutos, mesmo sem serem profundamente contemplativos, são realizados em alguns planos-sequências pouco invasivos. A câmera acompanha a ação até onde acha fundamental, dando a Ghalib o espaço necessário, por vezes captando sua ausência. Um artifício que não se mantém porque o cineasta parece, de fato, pensar cada momento do filme da melhor maneira na qual ele poderá explorar os espaços representados. Se parece não gerar uma unidade estética, visualmente é menos cansativo do que o desenvolvimento narrativo – este, sim, denso.

Isto porque “500 Mil Quilômetros” desenvolve seus arcos calma e isoladamente. Para que Ghalib possa servir de mediador entre a novidade (Pash) e o descartado (Dillbaug), um pouco de cada sub trama precisa ganhar forma. Ao refletir bem a ideia do freio dado a um homem cansado, porém determinado a continuar (a despeito de sua melancolia), Ivan Ayr corre o risco de ser visto como um contador de poucas histórias – sem que qualquer abalo sensorial seja gerado. Se quer fazer do longa-metragem uma obra carrega de letargia, de tentativa de adiar um triste fim, o resultado final é coerente. Até porque ser impactante não é uma regra.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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