Vozes e Vultos

Vozes e Vultos Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “Vozes e Vultos”, depois de trocar a cidade grande pelo interior, uma mulher descobre que seu marido e sua casa nova escondem segredos sinistros.
Direção: Shari Springer Berman e Robert Pulcini
Título Original: Things Heard & Seen (2021)
Gênero: Drama | Mistério | Horror
Duração: 2h 1min
País: EUA

Vozes e Vultos Crítica Filme Netflix Imagem

Atravessamentos do Além

O interesse do público por “Vozes e Vultos“, uma das estreias das últimas semanas da plataforma de streaming Netflix, acaba sendo proporcional ao que muitos entendem como frustração. Unindo elementos clássicos como casa mal-assombrada, criança assustada, uma atriz conhecida liderando o elenco e o paralelo com a violência familiar – a mais utilizada hoje em dia na indústria audiovisual norte-americana – há aqui uma ideia de colagem algoritmizada comum a alguns longas-metragens do serviço. O que acaba tornando o filme carente de uma identidade e exigindo de nós uma sessão cansativa para reunir todas as propostas que ele faz.

Baseado no romance de quase 500 páginas, “All Things Cease to Appesar” de Elizabeth Brundage, a obra conta a história de Catherine Claire (Amanda Seyfried), uma mulher que precisa se adaptar, assim como sua filha pequena Franny (Ana Sophie Heger), à nova casa no interior quando o marido, George (James Norton), consegue vaga de professor em uma Universidade. Desenvolvendo um processo de bulimia, ela começa a reparar coisas estranhas acontecendo na residência, como se espíritos não encarnados permanecessem ali.

Talvez essa opinião seja bem controversa, mas temos um ótimo trabalho da protagonista aqui. Seyfried parece ter encontrado, como nunca antes, a construção dramática de uma personagem complexa. Pelo terceiro ano seguido um filme de gênero desponta com uma boa interpretação feminina – e que deve ser novamente ignorada na temporada de premiações pela estreia precoce da produção. Pode soar exagerada a comparação com Lupita Nyong’o em “Nós” (2019) e Elizabeth Moss em “O Homem Invisível” (2020), mas a ausência de grandes sequências assustadoras ou que exigem o histrionismo podem tornar os entusiastas menos sensíveis ao desempenho da atriz.

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A questão é que a dupla de diretores (Shari Springer Berman e Robert Pulcini) querem transformar “Vozes e Vultos” em uma salada de representações. Terror, horror, thriller de mistério e até o flerte com a perseguição a psicopata. Ao contrário dos outros citados, essa falta de unidade deixa o público carente. Se Jordan Peele apostou no mergulho no horror e Leigh Whannell desenvolveu um arco dramático forte, aqui fica a impressão de horizonte ampliado faz de tudo algo menor, com carga baixa. A dupla, indicada ao Oscar em 2004 pelo roteiro do bom e esquecido “Anti-Herói Americano“, não consegue fazer com o texto original de Brundage o mesmo que realizaram na leitura dos quadrinhos de Harbey Pekar e Joyce Brabner.

Há bons diálogos que se impõem em várias cenas. George vai se erguendo ao espectador como um homem com ambição desenfreada, capaz de propor sedar a filha com dificuldades de dormir. Tudo em sua vida é uma fraude e ele passa os dias tentando legitimá-las. Como uma típica história americana (ou a great american novel, que um personagem escritor cita nominalmente como seu objetivo), ele persegue o sonho da família feliz em uma grande residência, com Catherine e Franny à sua disposição. As interações sociais precisam ser evitadas para que as múltiplas projeções de si do personagem não se cruzem. Algo parecido com o protagonista de “O Refúgio“, sucesso de acessos na Apostila de Cinema e disponível na concorrente da Netflix, o Amazon Prime Video.

Os cineastas inauguram bem a proposta de atravessar a realidade da senhora Claire. Passado no ano 1980, o design de produção é bem explorado, em planos-sequências iniciais que envolvem o caminho por onde Amanda Seyfried circula. Ela não será o foco da ação durante todo o tempo, mas enquanto isso é usado como premissa, o filme funciona bem. A narrativa perde o rumo quando passamos a receber informações por outras vias, mitigando a trajetória daquela personagem. Na primeira parte do longa-metragem, é com ela que vamos. Uma mulher insatisfeita com os rumos de sua vida familiar, que não deseja se mudar e vê seu ofício – restauradora de arte – difícil de ser desempenhado no interior.

Apesar de existir a Universidade de Saginaw, em Michigan, as locações exploram uma das áreas mais bonitas do Estado de Nova Iorque, o Hudson Valley. Berman e Pulcini têm a chance de usar as estações do ano e as ações da natureza como ferramentas da narrativa. Contudo, se prendem a longos desenvolvimentos de coadjuvantes, que pouco acrescentam – ou seria mais eficazes se concentrassem em menos personalidades certos aspectos. Ao tentar transpor uma pluralidade de personagens (reflexo, sem dúvida, da obra literária – equívoco parecido com outra produção da plataforma, “O Diabo de Cada Dia“), o filme se prolonga, em tramas paralelas que apenas reiteram o arco principal.

A casa onde a família Claire se muda tem seu passado de relacionamentos abusivos, vozes silenciadas e outros traumas. Catherine e Franny são dignas de receber algumas mensagens, em uma metáfora interessante de atravessamentos de jornadas, a partir do uso do sobrenatural. Com uma poderosa chance de desenvolvimento, “Vozes e Vultos” tropeça nas próprias pernas ao virar uma sequências de exercícios de gênero. Quando decide tomar seu rumo, parece ser tarde demais.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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