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Sinopse: Val Kilmer documentou sua vida e arte por meio do cinema. Ele acumulou milhares de horas de filmagem, desde filmes caseiros feitos com seus irmãos até papéis icônicos em filmes de sucesso como Top Gun e Batman. Este documentário original revela uma vida vivida aos extremos e um olhar cheio de coração sobre o que significa ser um artista.
Direção: Leo Scott e Ting Poo
Título Original: Val (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 49min
País: EUA

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Um Ocaso por Acaso

Exibido no Festival de Cannes há poucos dias, o documentário “Val“, da A24, chegou neste final de semana ao catálogo do Amazon Prime Video ao redor do mundo. Trazendo as memórias do popular ator Val Kilmer, de conturbada relação com o star system, o filme traz seu extenso registro de memórias audiovisuais para tentar provocar a reflexão sobre os motivos pelo qual sua carreira não foi tão bem-sucedida quanto o próprio acreditava que seria. Sofrendo as consequências de um agressivo tratamento para combater um câncer na garganta, o homem de sessenta e um anos aparece com muita dificuldade de fala devido a uma traqueostomia e, apesar de se sentir bem, imagina sua carreira encontrou um revés difícil de ser superado.

Kilmer pagou o preço pela grandeza de seus sonhos, que sempre envolveram a atuação – e que gerou a captação de imagens, envolvendo montagens caseiras de cenas ou gravações de peças de teatro amadoras desde a sua adolescência. Baseado em uma família que incentivou seu ofício como ator e o permitiu frequentar as grandes instituições formadoras dos Estados Unidos (como a nova-iorquina Juilliard), a primeira frustração de sua trajetória se deu quando deixou o posto de protagonista de uma peça de teatro e se tornou escada do elenco, que contou com a adição dos prodígios Kevin Bacon e Sean Penn. Dali ele imaginava que seus anseios, motivações e forma competitiva e perfeccionista com a qual lidava com o trabalho não seriam correspondidas.

Em “Val” o espectador relembra de um dos rostos mais populares dos anos 1980 e 1990. Catapultado ao status de astro após antagonizar com Tom Cruise em “Top Gun – Ases Indomáveis” (1986) (por imposição de contrato junto à Paramount) e dar vida a Jim Morrison em “The Doors” (1991). O que deveria ser sua consagração foi parte de sua ruína. Escolhido como substituto de Michael Keaton como Batman – após as excelentes bilheterias dos dois primeiros filmes – ele não lidou bem com a maneira como se tornou uma marionete em “Batman Eternamente” (1995).

A própria montagem do documentário, realizada pelos diretores Ting Poo e Leo Scott (ao lado de Tyler Pharo) prioriza o período que atrai boa parte da atenção do público. Também é a partir dali que refletimos sobre a maneira como as produções hollywoodianas se transformam em uma máquina de sugar talentos, sem que seus ímpetos e originalidades sejam aproveitados. A verdadeira fogueira das vaidades, que acabou por consumir os planos do ator. Um dos maiores exemplos está na escolha estética de fazer com que o ator fingisse tocar violão em “Top Secret! Superconfidencial” (1984), mesmo quando ele passou meses aprendendo o instrumento como forma de imersão no personagem.

No auge da carreira, Val Kilmer contracenou com Robert De Niro, Al Pacino e Marlon Brando. Do último, outra grande frustração, já que fez parte do problemático “A Ilha do Dr. Moreau” (1996). Ali um jovem que estava ganhando espaço naquele sistema cruzou com um dos mais representativos bad boys da indústria. Veterano, sem disposição de trocar experiências, o eterno Dom Corleone não desempenhou nem ao menos seu papel protocolar quando percebeu que John Frankenheimer não atrasaria um minuto o cronograma para ouvir as sugestões do ator.

Usando seu filho, Jack Kilmer, como narrador, é inevitável não sentir um lamento pela atual situação do homem. Tentando se manter próximo do público, com presenças em sessões especiais de seus filmes e tardes de autógrafos na Comic-Con, Val parece fixar sua esperança no legado saudosista que sua imagem representa. Ao revisitar seus arquivos, deixa a impressão de que o faz não apenas para si, mas para todos que viveram com ele o seu estrelato. Tanto que seus dramas pessoais surgem de forma panorâmica: o divórcio dos pais, a perda traumática do irmão com quinze anos de idade e a descoberta da doença quando tinha se reinventado no retorno ao teatro.

Com controle sobre o que é exposto, ele explora menos e sem sensacionalismo seus traumas. Sem moral em Hollywood, ele passou a trabalhar sem pressão no projeto de sua vida: uma peça sobre o escritor Mark Twain. Com ela, desempenhou um papel totalmente oposto à forma engessada com a qual viveu Batman – lembrado de forma lúdica junto ao filho Jack. Pode finalmente ser imersivo e perfeccionista, ao contrário da escolha pelo folhetinesco do longa-metragem de Joel Schumacher.

Inserido em uma lógica de trabalho que nunca lhe deixou agir, ele esperou uma bala de prata que nunca veio – e o fez ser o esquecido da geração que hoje vê Penn, Cruise, George Clooney e Brad Pitt carregados de referências. Logo ele, que espontaneamente enviava audições para papéis disponíveis em barbadas como “Nascido para Matar” (1987) de Stanley Kubrick e “Os Bons Companheiros” (1990) de Martin Scorsese. O mais próximo que teve de dividir o set com um cineasta de peso foi em “Fogo Contra Fogo” (1995) de Michael Mann.

A imagem que Kilmer passa, apesar de todo o esforço por parecer alegre junto da filha e usar a própria construção do filme como um processo auxiliar ao seu combate ao câncer, é o da frustração. Do que ele poderia ter sido. De ter sentido o gosto da fama, extraído dela o suficiente para se manter vivo, mas não ter atingido o topo da maneira como queria. Já “Val” é uma obra longe de nos frustrar, pois consegue ir além das simples lembranças ou da curiosidade acerca do ocaso de um astro.

Veja o Trailer:


Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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