A Suspeita

A Suspeita Filme Crítica Pôster

49º Festival de Gramado | ApostilaSinopse: Lúcia (Gloria Pires) é uma comissária exemplar da inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro que, diagnosticada com Alzheimer, começa a articular sua aposentadoria. Durante a investigação do que seria seu último caso, descobre um esquema do qual ela vira suspeita. Entre os desdobramentos das investigações e os lapsos de memória, Lúcia agora terá que lutar por sua vida.
Direção: Pedro Peregrino
Título Original: A Suspeita (2021)
Gênero: Drama | Policial
Duração: 1h 28min
País: Brasil

A Suspeita Filme Crítica Imagem

Divagar

Abrindo o 49º Festival de Cinema de Gramado, o longa-metragem “A Suspeita“, dirigido por Pedro Peregrino leva o espectador para um conceito de Rio de Janeiro, forjado nos grandes eventos, que se perdeu nas memórias dos recentes traumas de uma crise social que desmascarou (e demaquilou) as propostas milagrosas e tornou os tempos de paz vendido pelos instituições apenas uma vaga lembrança.

Proposta que se coaduna com a personalidade e as característica de Lúcia, protagonista interpretada por Gloria Pires. Ela é uma policial civil que se envolve na cena de um crime durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, uma fase em que os entusiastas da cidade externavam seu orgulho carioca. Mesmo com os protestos das semanas anteriores, durante a Copa da Confederações – e que mudaram os rumos do país – a visita do Papa Francisco e consigo uma procissão que reuniu fiéis de todo o mundo ficou marcado na cidade – e já entrou no imaginário com as coloridas mochilas, aparentemente imunes a desgaste, pois ainda circulam nas costas de muita gente.

Todo esse contexto é deixado de lado no roteiro de Thiago Dottori. A ideia das representações aqui é manter o foco na personagem, uma investigadora que deseja ampliar sua persecução instalando novas escutas telefônicas e ambientais para desbaratar um esquema corrupto dentro da própria corporação. Algo que remete ao clássico “A Conversação” (1974), de Francis Ford Coppola ou “A Vida dos Outros” (2006), de Florian Henckel von Donnersmarck  – embora com uma busca maior pela carga dramática, abandonando esse expediente promissor.

Em casa, a necessidade de criar lembretes para atos do cotidiano demonstram que ela já se preocupava com lapsos de esquecimento, diagnosticado logo depois como Mal de Alzheimer. A construção demanda um thriller bem mais cadenciado, imersivo na forma como Lúcia precisa revisitar sua mente, após o evento pós-traumático que a fez apagar da memória o ocorrido na cena do crime, se tornando uma possível autora.

Com isso, “A Suspeita” nos instiga a viajar nas reconstituições possíveis que a protagonista quer tecer em seu íntimo – ao mesmo tempo que convive com uma curiosa dúvida para uma agente da lei: a ideia de ser parte das engrenagens de um inquérito não enquanto autoridade e sim como linha de investigação. Usando uma linguagem que não deseja concretizar intenções, ampliando o leque de leituras – como fez o bem-sucedido “Meu Pai” (2020), dentre outras obras contemporâneas – o longa-metragem pode se tornar uma experiência mais cansativa e truncada do que o tradicional e talvez buscado por parte do público.

Aqueles que se ligaram no Canal Brasil empolgados com o que Gramado nos ofereceria no primeiro dia, imaginaram uma mistura de drama e ação e encontraram uma narrativa próxima daquelas lutas de boxe agarradas, em que o árbitro precisa paralisar o combate a todo instante porque a combatividade é mitigada em movimentos pouco atraentes. O leque pequeno de agentes em cena evita que a trama vire uma teia confusa.

Já a presença de Gloria Pires é fundamental para uma boa condução da história. Experiente no desenvolvimento de personagens complexos, tanto em novelas de centenas de capítulos quanto em filmes que vão desde comédias rasgadas à biografias, ela segura bem essa vagarosa trajetória de Lúcia, uma mulher que se perde cada vez que tenta se encontrar.

Por fim, o longo e pouco dinâmico combate de “A Suspeita” não tem um nocaute igual o de Hebert Conceição, que transformou a iminente derrota por pontos em uma medalha de ouro nas Olimpíadas desse ano. Peregrino, de muito talento na direção geral de algumas das melhores telenovelas dos últimos anos, como “Órfãos da Terra” (2019), não consegue atingir o sintetismo em seu longa-metragem de estreia.

Uma trama que, assim como todas que nos levam às perturbações da mente de uma protagonista que não nos deixa confiar (pois não confia em si), permite qualquer tipo de conclusão. Porém, se não a mais óbvia, vai pela mais simples – fazendo com que todas as inflexões tão calculadas se resolvam em um clique.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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