No Limite do Mundo

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Sinopse: “No Limite do Mundo” conta as aventuras de Sir James Brooke, que desafiou o Império Britânico para governar um reino da selva no Bornéu de 1840, embarcou em uma cruzada ao longo da vida para acabar com a pirataria, a escravidão e a caça de cabeças.
Direção: Michael Haussman
Título Original: Edge of the World (2021)
Gênero: Aventura | Drama
Duração: 1h 44min
País: EUA | Reino Unido | China | Malásia

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Só Não Mexe no Meu

Chegando nas plataformas digitais de locação (os VODs.: Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube Filmes), “No Limite do Mundo” refaz os passos de James Brooke (Jonathan Rhys Meyers) em todo o seu conhecimento e privilégio que o fez – aos olhares dos historiadores mais apaixonados e tradicionais – desafiar um Império. Não podemos dizer que a obra dirigida por Michael Haussman (de poucos filmes, mas muitos videoclipes, do clássico “Take a Bow” de Madonna e Babyface ao recente sucesso “Your Song” de Rita Ora) não sinta os efeitos do revisionismo crítico, que torna cada vez mais difícil a vinculação direta a heroísmos e edificações em protagonistas como ele. Porém, exige a sutileza de olhar para encontrar qualquer traço de representação moderna.

O personagem é mostrado como um explorador desvinculado da Coroa Britânica. Sua insurgência talvez tenha uma motivação mais econômica do que política. Afinal, nos primeiros minutos o espectador recebe a informação de que James “desperdiçou sua herança”. A abordagem inicial do cineasta traz uma sentença muito interessante e que deveria ser levada ao longo da trajetória do filme. Fosse este épico absorvido pelos grandes estúdios norte-americanos e suas fórmulas para torná-lo comercialmente atraente, a frase “impossível escapar de si mesmo” assombraria o personagem a cada nova mudança de rumo da trama. Aqui dependerá da percepção sobre as convenções do longa-metragem, partindo deste prisma.

Se pensarmos enquanto linguagem e estética, “No Limite do Mundo” flerta com as grandes criações de Wener Herzog. Mesmo que a digitalização e o talento de Haussman tornem o resultado final bem distante disso, não seria uma heresia identificar inspirações em “Fitzcarraldo” (1982) e “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972). Um local de estranhamento, sem que Brooke deixe se abalar por ele. Um homem branco criado para vislumbrar ter o mundo em suas mãos e que chega a Sarawar (na ilha de Bornéu, hoje parte do arquipélago malaio no sudeste asiático) fingindo liderar uma missão oficial.

As narrações do protagonista não apenas se valem como ferramenta interpretativa e didática. Assim como exemplares clássicos do gênero, ela induz reflexões. Na mais interessante delas, nos faz debruçar sobre dois conceitos: o de selvagem e o de diplomacia. Ambos criados, desenvolvidos e aplicados pelo olhar europeu, que o tornaram argumentos para exploração de outras culturas e agentes pelo mundo. Por mais que James Brooke acesse aqueles espaços e os ocupe pela porta da frente, nomeado pelo Sultão para governar (independente dos interesses por trás disso), ele não perderá por completo sua posição. Afinal, é impossível escapar de si mesmo.

Rhys Meyers é um ator de poucas nuances, foi assim sempre que grandes papéis lhe foram designados, como na biografia televisiva de Elvis Presley de 2005. O que aumenta a impressão de que Dominic Monaghan (para muitos o Merry de “O Senhor dos Anéis” e para outras tantos o Charlie de “Lost“) ainda mais subaproveitado. Entretanto, o perfil apaziguador do líder de elenco cai bem na imagem de um homem que que coloca como missão para si “desaprender” seus hábitos como forma de integração cultural. Com isso, o filme se torna menos uma narrativa épica e heroica, como vista em outros tempos. Está mais para representações sobre ruptura de conceitos, dentre eles a de que a legitimação de qualquer coisa pela Coroa Britânica ou pelos Estados Unidos não deveria ser algo imperioso.

Ficará sempre a questão: no meio dessa “desaprendizado” do protagonista e da gênese de uma desconstrução eurocêntrica e etnocêntrica, é possível o “deixar de ser”? Um insurgente contra o colonialismo, aparente abolicionista, que julga ser ele mesmo capaz de governar um povo. Com direito à sucessão por linhagem sanguínea. Pode até haver respeito ao legado, mas não há devolução de poder aos povos originários (apesar do freio à sanha desenvolvimentista que mitigou o etno e genocídio padrão), é uma liderança que usa a ancestralidade como elemento acessório. A dinastia dos Rajás Brancos, que governo o reino separatista de Sarawak por 105 anos teve três representantes: James, seu sobrinho Charlie e o filho deste, Vylner. Portanto, uma liberdade controlada.

Ou seja, os Brookes não conseguiram, afinal, fugirem de si mesmos. “No Limite do Mundo“, ao focar apenas nesse capítulo da trajetória de James, encontra uma tonalidade crítica. De baixa intensidade, é verdade. Abdicar da aventura como mola propulsora da narrativa talvez afaste mais espectadores tradicionais do que aproxime outros. Mesmo assim, um passo além da ideia de que fazer parte dos livros de História o coloca na mitológica posição de semideus.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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