Best Sellers – A Última Turnê

Best Sellers - A Última Turnê 2021 Filme Telecine Crítica Poster

Sinopse: Em “Best Sellers – A Última Turnê”, Lucy Standbridge (Aubrey Plaza) herdou uma editora de seu pai, um ambicioso editor que quase foi à falência com títulos ruins. Ela descobre que deve um livro de Harris Shaw (Micahel Caine), um autor solitário, rabugento e embriagado que colocou a empresa no mapa décadas antes. Como uma última tentativa de salvar a editora, Lucy e Harris publicam seu novo livro e saem em uma turnê infernal que os mudará de maneira inimaginável.
Direção: Lina Roessler
Título Original: Best Sellers
Gênero: Comédia | Drama
Duração: 1h 42min
País: Canadá | Reino Unido

Best Sellers - A Última Turnê 2021 Filme Telecine Crítica Imagem

#Engajamento

Estreando hoje no Telecine (que agora está incorporado enquanto aplicativo ao Globo Play), a comédia dramática “Best Sellers – A Última Turnê” não se pretende inovadora na forma. Usa o choque geracional tanto entre protagonistas quanto da leitura deles sobre a sociedade para criar um humor, em parte, britânico. Gasta boa parte de seus recursos de produção para fazer Michael Caine se sentir à vontade no papel de um recluso escritor que aceita entregar um manuscrito para a herdeira da editora que o lançou há quarenta anos.

Não há como começar a experiência de assistir ao filme e não se lembrar de “Meu Ano em Nova York”, ficção dirigida por Philippe Falardeau que coloca como presença ausente o excêntrico J.D. Salinger. Em minha crítica do filme estrelado por Margaret Qualley e Sigourney Weaver mencionei como a fama de misantropo do autor de um dos grandes clássicos do século XX, “O Apanhador no Campo de Centeio” trouxe mais publicidade e criou uma aura sobre seus escritos que nunca leremos.

Em “Best Sellers – A Última Turnê” a misantropia não é o mote. Harris Shawn (Caine) parece mais resistente à contemporaneidade, prejudicada por sua viuvez. A atriz Lina Roessler, em seu primeiro longa-metragem como diretora, traça um panorama rápido na primeira cena. Nela, os elementos de uma vida que teimou em não se atualizar. O telefone de disco, a máquina de escrever e livros. Muitos livros, remexidos e atirados ao chão e por todos os cômodos. A música clássica é mais um desses elementos – e que percorrerá toda a obra. Ela será o elemento de ligação que nos leva a Lucy Stanbridge (Aubrey Plaza), uma jovem que tenta manter o legado de seu pai e manter lucrativa a editora da família agora administra por ela.

Apesar da diferença de idade, temos aqui duas personagens que parecem não se encaixar no mundo atual. Tentando vender livros para um público que não quer mais lê-los. Tentando fugir da lógica sistêmica de editar obras palatáveis e semi-descartáveis que permeia boa parte da oferta de literatura para jovens adultos, Lucy encontra um contrato – nunca cumprido nas últimas quatro décadas – no qual Shawn se compromete a entregar um outro livro. Em troca da liberdade total, sem editor para organizar suas ideias, ele aceita realizar uma turnê de lançamento pelo país, o que traz o tempero de road movie ao filme.

O que vemos dali em diante é uma plateia que está pronta para amá-lo, mas não pelo motivo que o levou ali. Em “Best Sellers – A Última Turnê” somos levados ao mundo das métricas e algoritmos no qual o engajamento é o mais importante. Se tornar trending topic, se possível acompanhado de uma hashtag marcante. Como você vai monetizar essa fama? A resposta não é tão simples, mas, definitivamente, é quase impossível que o faça vendendo aqueles tais livros.

Na modernidade, talvez valha mais a pena oferecer uma camiseta descolada do que um produto cultural. Por sinal, boa parte das grandes empresas do ramo sabem disso há muito tempo. Basta ver a quantidade de produtos licenciados e o quanto seus conhecidos gastam com eles, ao invés da aquisição de bens de conteúdo artístico. Nessa roda de produção de conteúdo, o filme quer mostrar que é possível se reinventar para o público sem perder a essência.

Afinal, se tudo der errado, você pode vender o próprio fracasso. Michael Caine está bem no papel de um homem que resiste a se tornar peça de tabuleiro de um jogo ainda mais assombroso do que aquele que ele acreditava ter se livrado ao não ceder nada para o mercado editorial. A relação de Shawn e de Lucy com a crítica passa bem rápido no longa-metragem, mas podemos refletir o quanto essa desautorização comum dos artistas a esses profissionais acabou tornando ainda mais selvagem seus próprios ofícios.

Em relação à editora, a surpresa com a qual recebe a notícia de que seu lançamento young adult não recebeu palavras ruins apenas do jornal The Times, mas também da booktuber adolescente, que agora ocupa a figura de autoridade popular dentro do seu mercado. Já em relação ao escritor, a forma como ele ataca com raiva o pseudo-intelectual que julga sua obra com todo o pedantismo característico. A criadora de conteúdo que suplanta a análise valorativa das páginas de revistas e jornais já é um fato. Se isso tornou a vida de quem faz arte melhor, é bastante discutível.

A partir da segunda metade, Harris apresenta uma nova camada de sua personalidade. Por trás de sua implicância, aquele homem ranzinza parece mais disposto a fugir de suas responsabilidades. Ao mesmo tempo em que se mostra mais vulnerável, tenta desautorizar Lucy entendendo que ela, por ser herdeira, deixou seus privilégios maquiarem sua competência. Já a jovem quer apenas lutar contra a ideia de desistir do legado de seu pai.

Também creditado como primeiro roteiro de longa-metragem de Anthony Grieco, “Best Sellers – A Última Turnê” não tem força para entregar muito mais do que uma comédia baseada na chatice de seu protagonista e o drama que deseja passar a mensagem de compreensão. Se fosse um livro, talvez fizesse o leitor perder o interesse pela forma pouco atraente como se apresenta enquanto história. Mas, na contemporaneidade, o espectador no sofá não tem tantos motivos para lamentar essa viagem de pouco mais de noventa minutos de uma dupla pouco disposta a criar engajamento.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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