Octopus

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Sinopse: Após a enorme explosão que aconteceu no porto de Beirute em agosto de 2020, afetando praticamente toda a cidade, o diretor busca mostrar como seus habitantes tentam voltar aos ritmos de seu cotidiano. Entre o micro e o macro, como se pode superar um trauma cujas marcas estão por todo lado? Será que seguir adiante implica ignorar o que passou? Nesta sinfonia de uma cidade, o espírito de superação se mistura com o peso da resignação, numa luta ao mesmo tempo coletiva e profundamente individual.
Direção: Karim Kassem
Título Original: Octopus (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 4min
País: Líbano | Catar | Arábia Saudita

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Elegia às Tragédias

O filme que abriu nossa cobertura online do 11º Olhar de Cinema de Curitiba foi “Octopus“, produção libanesa dirigida pelo jovem Karim Kassem. Dentro da programação da mostra Outros Olhares, parece ter sido encomendado pelo destino para essa abertura informal, à distância e aproveitando o formato híbrido do evento.

O festival foi um daqueles que nos ajudou a sobreviver à pandemia. Não apenas permitir que a Apostila de Cinema, criada em maio de 2020, pudesse realizar coberturas logo em seus primeiros meses. Mas, ao trazer produções desafiadoras, algumas fora do eixo de produção e do circuito comercial e de curadorias mais conservadoras ou tradicionais, foi parte importante do processo de isolamento social pelo qual passamos. Enquanto isso, no Líbano, uma explosão de grandes proporções acontece no porto de Beirute em 04 de agosto de 2020, matando mais de duzentas pessoas e ferindo cerca de seis mil.

Nesse ponto “Octopus” se apresenta. Nele, Kassem capta cenas de uma nova Beirute, aquela que passou a existir após as explosões. Podemos segmentar seus 63 minutos de projeção em três partes, que se cruzam. A primeira possui um prólogo com incontáveis minutos de um tic tac constante. A câmera do cineasta vai de uma cadeira de rodas vazia a um senhor em um leito. Sem as vozes, somos apresentados a um grupo de moradores da cidade. Todos sobreviventes. Afinal, as notícias sobre o que havia acontecido ainda eram desencontradas.

Nos primeiros momentos de uma tragédia nossa preocupação é para com os nossos. As primeiras vozes que ouvimos são de pessoas entrando em contato com familiares e amigos. Querem saber se estão bem e se já entraram em contato com outras pessoas. O realizador, então, desenvolve seu documentário por uma observação bem particular. Sua câmera é quase sempre metódica. Acompanha a imobilidade dos agentes que registra em movimentos laterais. Parece querer ir além da sobrevivência. Os personagens reais nesse primeiro terço parecem posar para uma foto, como se fosse captado um momento e não uma fase.

Até que um plano geral, bem longo, revela a fumaça que vem do porto. O sol em vias de se por, quase como a primeira visão que temos de um filme de ficção. A partir desse recomeço, “Octopus” vai mais a fundo na destruição. As pessoas começam a sair de cena e os escombros ganham a tela. A religiosidade parece ser um ponto fundamental nessa segunda parte do documentário, que possui um verniz de realidade maior quando nos deparamos com máscaras adornando os rostos dos que passam no ecrã. Pelo rádio ou pela televisão, vozes informativas começam a desenhar o tamanho do que aconteceu.

Esse registro da dimensão da tragédia, se coadunando com a imagem, é o que torna a experiência ainda mais hipnótica. Parece querer nos lembrar que obras como aquelas que encontramos no Olhar de Cinema destoam do que nos chega comercialmente de tal maneira que permite mais do que o choque. Uma mistura de sensações que precisamos reaprender a captar, depois que tantos meses (anos) de isolamento social nos fez perder. O fluxo de imagens que passam pela mesma tela, entre um compromisso de trabalho, uma conversa com a família e um filme de um festival precisa de turbulências como a criação de Karim.

Em entrevista para Carla Italiano, no canal oficial do festival no You Tube, ele revela que a ideia original era captar os impactos socioeconômicos da pandemia de covid-19 em Beirute. Uma forma de se reencontrar e ficar próximo à família, retornando de Nova York. Uma maneira de falar da morte, mas sob uma perspectiva diferente, antes de ser impactado – no dia seguinte após sua chegada – por uma tragédia dentro de outra. Na mesma oportunidade, ele trata de suas escolhas de câmera em tripé e o uso do som – abdicando de depoimentos – revelando que boa parte do caráter observacional latente na obra (e que ele vê como uma característica de seu fazer audiovisual) na verdade era meticulosamente pensado e encenado (você assiste à entrevista completa clicando aqui).

Quando dizemos no início que “Octopus” parecia uma escolha do destino para essa abertura particular de Olhar de Cinema, é que o terço final trata da parte final do choque e do luto de uma tragédia. Depois de nos certificar que os nossos estavam bem e de entendermos a dimensão do ocorrido, é hora de recomeçar. De viver. De explorar o que, quando tudo estava difícil, chamávamos de normalidade. É isso que acontece agora, nesse início de junho de 2022, quando Curitiba voltou a ser o local dos encontros sobre o panorama audiovisual mundial. Assim como, do lado de cá da tela, a volta da normalidade nos reconectou com compromissos tão mundanos que o festival online se tornou uma parte do dia.

Já no longa-metragem, as imagens começam a revelar crianças indo para a escola, casais indo a parques ou tomando um banho de mar. A narrativa vai se dispersando, seus acontecimentos, sendo – ainda bem – menos impactantes ou hipnóticos. Quase como se estivéssemos finalmente pousando o avião depois de um voo turbulento. Voo que durou mais de dois anos. Mas, embaixo d’água, a tragédia deixou seus rastros. Sempre deixa, seja qual for. Só que precisamos extrair vida aqui na superfície.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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