A Ira de Deus

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A produção argentina “A Ira de Deus” é uma das novidades da Netflix. Leia a crítica!

Sinopse: Convencida de que um famoso escritor está por trás das perdas trágicas que sofreu, Luciana pede a ajuda de um jornalista para revelar a verdade.
Direção: Sebastián Schindel
Título Original: La Ira de Diós (2022)
Gênero: Suspense | Drama
Duração: 1h 37min
País: Argentina

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Cruel Vingança

Chegando esta semana na plataforma de streaming Netflix, o suspense argentino “A Ira de Deus” adapta a obra literária “A Morte Lenta de Luciana B.” do popular romancista Guillermo Martínez. Com uma narrativa que lembra thrillers no estilo de Sidney Sheldon (que, inclusive, possui um livro de título parecido, “A Ira dos Anjos”), estamos falando de uma transposição diferente de “O Fio Invisível“, que precisa dar conta das múltiplas camadas narrativas da escritora, também argentina, Samanta Schweblin.

Aqui temos uma construção de história simples, envolvendo três personagens caracterizado com tintas fortes (ou pouco suavizadas pelo elenco). Luciana (Macarena Achaga) é uma jovem que começa a trabalhar de estenógrafa de dois autores: um renomado e outro à porta da fama. O primeiro é Kloster (Diego Peretti), que coloca como centro de suas tramas crimes e carrega suas palavras com muita sensualidade. O segundo é Esteban (Juan Minujín), definido pela própria moça como menos talentoso.

Os primeiros segundos de “A Ira de Deus” nos dá o momento-chave do roteiro adaptado por Pablo Del Teso. O cenário é a famosa livraria El Ateneo, que já foi um dos grandes teatros de Buenos Aires. Os afrescos no teto foram pintados por Nazareno Orlandi, italiano nascido em 1861 e que perto dos trinta anos se radicou na Argentina, onde ficou até sua morte em 1952. Nesse clímax antecipado, Luciana reencontra Kloster doze anos após a primeira crise nesta relação, lançando seu novo trabalho.

Tal qual uma proposição de Rubem Fonseca, a violência urbana e os acasos mal resolvidos em mortes trágicas traz duas óticas ao mosaico de acontecimentos do longa-metragem. O único fato incontroverso para o espectador (e aqui, mesmo que tivesse lido o livro, evitaria qualquer contraponto por serem obras diferentes) é o assédio cometido por Kloster à Luciana, o que motivou seu pedido de dispensa e consequente processo requerendo direitos trabalhistas e indenizatórios. Dali em diante, toda a sequência catastrófica de eventos na vida da moça tem uma aparência de coincidência e um verniz de crueldade.

Ela insiste que o homem é uma espécie de mentor intelectual de todas as mortes – mesmo as que aparentam ser acidentais – em sua família. Ele estaria aplicando a famosa Lei de Talião, já que a intimação do processo que envolvia assédio foi recebido por sua esposa, que matou a filha e depois se suicidou. A carga dramática do filme não se sustenta da mesma maneira que o suspense, muito por conta da falta de emoção que Achaga e Minujín colocam em seus personagens. A forma enigmática que Peretti dá ao seu personagem acaba sendo a única ponta que funciona no triângulo.

Isto porque, na versão de Kloster, Luciana não possui nada de frágil, pelo contrário. Seria uma mulher manipuladora, criando uma argumentação perfeita para o olhar que culpabiliza as mulheres. Esteban participa da história quando ela decide, depois de muitos anos, expor essa perseguição desenfreada e cruel do ex-patrão. O equilíbrio na montagem entre duas linhas do tempo, com um flashback que vai se aproximando do ponto inaugural, é mais uma das características que transforma “A Ira de Deus” em um suspense – bem próximo do genérico – do que um drama com uma trinca complexa de personagens.

As motivações de Esteban também se tornam subaproveitadas. Apresentado como alguém menos talentoso, aos poucos vamos deslegitimando parte de suas intenções ao perceber que ele já havia transformado o ódio pelo sucesso de Kloster em uma tentativa pessoal de criticá-lo. Acaba se tornando presa fácil para um vilão em potencial que precisa atravessar mais de uma década nas sombras para se revelar. Ou seja, as escolhas na forma de se contar a história mostra que Schindel vislumbrou o potencial dramático, mas, de alguma maneira, esse exercício narrativo nunca acontece com eficiência.

Esperamos que a possível recepção morna de “A Ira de Deus” não inviabilize eventuais projetos que usem as obras de  Guillermo Martínez. Até porque, longe das garras da Netflix e sua tentativa de aplicar amarras globalizantes e encaixar em algoritmos o filme, teríamos um longa-metragem mais carregada de sensualidade, medo e uma vingança bem mais cruel, à luz das características de um bom thriller latino-americano. Tentando pensar sob perspectiva, parece ser mais um lançamento para fazer número no catálogo abarrotado de um streaming que mergulhou de vez na industrialização audiovisual.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

3 Comments

  1. Filme mediano para fraco. Deixa no ar uma decepção estampada. Para quem viu o excelente: “O segredo dos seus olhos”, somente o sentimento de ausência de lógica adequada. Tem personagens que parecem só estar cumprindo presença, parece que vão entregar algo, mas não fazem. Até a dança entre a loucura e a sanidade parece entregar os pontoa, pois não flui. Deixa um sentimento de que poderia mas não foi.

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