Sinopse: O que move um caminhante durante uma longa travessia? O curta “Caminhar” mostra algumas respostas e procura incentivar a prática. Com uma linguagem poética, intimista, exclusivamente em formato 4:3, convida todos à reflexão sobre o autoconhecimento e homenageia todos os caminhantes.
Direção e Roteiro: Edson Campolina
Título Original: Caminhar (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 28 min
País: Brasil
Como Bolhas de Sabão
Edson Campolina inicia o documentário “Caminhar” somente com os sons dos passos dos caminhantes. Esses, antes mesmo que a tela de abertura seja finalizada, já nos apresentam cor, textura e densidade. Não me perguntem como, mas tem som que tem cor.
O próprio cineasta deve saber disso, pois faz dos sons os grandes protagonistas em um curta no qual tinha tudo para explorar apenas as imagens. O diretor, no entanto, intercala leitura de poesias e depoimentos dos caminhantes com os próprios sons da praia deserta.
Começar com “Tabacaria” de Álvaro de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa), não é um desvio nesse caminho. Pessoa sempre nos faz lembrar que podemos, em uma única vida, ser muitos. Nunca passei por um processo de caminhada tão longo quanto a do Caminho dos Faróis, no Rio Grande do Sul. A experiência mais próxima disso foi o Atacama, no qual me senti pequena, porém grande. Angustiada, porém leve. Talvez, os caminhantes consigam explicar melhor essa sensação, talvez não. É possível que somente a experiência nos faça ter dimensão da transmutação ocorrida durante esse processo.
Os depoimentos que Campolina recolhe são sempre muito respeitosos. Não há identificação, não há nomes, CPF ou CNPJ. O que fica? O Ser. Alguns dizem que somente o retorno à vida corrida é capaz de dar conta do que foi a experiência.
O olhar, sentir, ver. Sempre muito, sempre mais.
E perceber que, talvez, não precisemos de tanto assim. Ao caminhar levando o mínimo de coisas, mas o máximo de si (em constante mudança) pode-se compreender o que Antonio Machado e Fernando Pessoa dizem com força e, ao mesmo tempo, com extrema delicadeza. Há que se fazer silêncio para a alma borbulhar. Há que se fazer silêncio para se (re)pensar. E, da maneira como costumamos correr – em um não caminhar – torna-se difícil contemplar o silêncio.
Esse poder, que é o silêncio, diz muito. É nele que podemos viver a experiência de pensar o que é importante em uma pessoa, em um amor, em uma vida. Ou, em tantas vidas que flutuam pelo ar esperando que as encontremos. Quantos mistérios e revelações encontramos no caminhar – esse ato o qual podemos fazer sozinhos, mas não vazios?
“Fiz de mim o que não sou“, diz Fernando Pessoa em uma da poesias recitadas. Sábio Pessoa que entendeu que construir-se é um ato de se deixar levar. Não por qualquer caminho, não sem algum objetivo, mas na leveza.
Meu poeta favorito, Manoel de Barros, diria (e, o disse em “O livro sobre o Nada”) :
“Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.”
São nesses momentos de contemplação do mundo que caminhamos, que fazemos poesias, que nos apaixonamos. São nesses momentos que aprendemos a viver.
VEJA O FILME:
VEJA NOSSA CONVERSA COM EDSON CAMPOLINA SOBRE O FILME:
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Contentíssimo e orgulhoso da análise do Apostila! Muito obrigado! Louvável a iniciativa de vocês…
Caro,
Somos tocados por todas as questões sociais. Autocuidado e autoconhecimento também as são. Foi um prazer ver e escrever sobre seu curta;
Conversaremos mais tarde e obrigada pela confiança,
Jorge Cruz e Roberta Mathias