Festival de Gramado | Curtas Gaúchos | Programa 3

Festival de Gramado | Curtas Gaúchos | Programa 3

No meio dos caminhos das provocações da ficcionalidade, usando contexto histórico e animação como linguagem, o Programa 3 dos curtas gaúchos do Festival de Gramado 2020 nos entrega um potente documentário, uma das obra mais impactantes de toda a seleção da mostra. Quatro filmes que tratam de diferentes formas de relacionamentos baseados na cumplicidade: busca de entendimento sobre si, sobre o outro, da sociedade ou do que nos espera. Seguem nossos breves comentários sobre as produções que fazem parte da sessão.

Índice de Filmes
(na ordem de apresentação da sessão, clique em seus nomes e seja direcionado à parte do texto correspondente)

Fragmentos ao Vento: 1945
Sopa Noir
Corpo Mudo
Magnética

Ficha Técnica da Sessão Programa 3 dos Curtas Gaúchos


Fragmentos ao Vento: 1945

Programa 3 Curtas Fragmentos ao Ventos

O Programa 3 tem início com “Fragmentos ao Vento: 1945“, uma caprichada produção do diretor Ulisses Da Motta. De temática histórica, nos transporta para o ano em que o Brasil foi intimado a participar da Segunda Guerra Mundial ao mesmo tempo em que o Estado Novo, da face ditatorial do gaúcho Getúlio Vargas, estava em crise. Aquele seria o último ano do primeiro (e longo) governo getulista.

Totalmente inebriado pela possibilidade de ser protagonista do mais importante conflito da Humanidade, o Brasil viu crescer uma onda de monitoramento e perseguição aos descendentes de alemães, italianos e japoneses – que compunham o Eixo. As autoridades chegavam a ver com desconfiança o uso dos idiomas, algo que impactou a sociedade gaúcha da época, sem dúvida. O curta-metragem nos traz, então, uma mulher negra que ajudará uma família alemã a dar uma vida mais tranquila a seu filho.

Uma linda história de cumplicidade, divisão de uma dor de quem sabe o que é sofrer com discriminações estereotipadas. A narrativa usa bem o fato da protagonista saber falar outra língua, criando uma aura de suspense no meio de uma trama histórica muito bem engendrada. Devemos lamentar apenas sua duração, porque é um dos casos em que fica nítido o potencial de se desenvolver um excelente longa-metragem. Esperamos que Ulisses tenha este projeto em mente e possamos ver todo o estilismo de “Fragmentos ao Vento: 1945” novamente.

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Sopa Noir

Sopa Noir Curta Gramado

Sopa Noir” é uma divertida história da investigação do assassinato do Chuchu pelo Detetive Berinjela. Beatrice Petry Fontana provavelmente é muito jovem para ter como referência tramas curiosas que passavam na televisão no programa “Agente G”, mas a ideia de fazer uma animação com referências aos alimentos deixou esse toque saudosista a quem tem pouco mais de 30 anos.

Para quem aprecia a linguagem, é um das mais interessantes que apareceu no circuito de festivais nos últimos meses, porque consegue equilibrar muito bem a ideia do noir, o uso das sombras e todos os diálogos visuais que o compõem; com as cores vivas e vibrantes como o verde, o vermelho e o roxo característico dos personagens.

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Corpo Mudo

Curta Programa 3 Corpo Mudo

No meio de produções vistosas e divertidas do Programa 3 dos curtas gaúchos, somos impactados por “Corpo Mudo“, documentário de Marcela Schild. Com relatos de mulheres que sofreram violências e abusos no ambiente domésticos muito novas, é uma das obras mais memoráveis de Gramado até agora. A cineasta divide conosco seu passado, se valendo de imagens de arquivo, para tratar de um assunto muito delicado.

Um período conhecido pela inocência infantil e que, no caso daquelas pessoas, ficou marcado por traumas que não conseguem superar. A confusão e ausência de informação faz com que algumas delas omitam o que acontecia dentro de casa. Uma mistura de incredulidade, medo das consequências e tentativas de apagar o ocorrido. Grande parte das violências praticadas contra mulheres acontece em ambientes familiares e Schild nos proporciona um debate a partir de um filme com forte carga humanitária. Ainda toca no caminho o qual algumas vítimas, convivendo com esse doloroso passado, podem seguir: a tentativa de suicídio. Um recado com fica na nossa mente, mesmo com tantos curtas feitos para nos entreter no restante da sessão.

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Magnética

Curta Magnética

Magnética“, de Marco Arruda, encerra o Programa 3 com uma animação de convergência de linguagens muito interessante. Parte do passeio de um indígena pela movimentada noite boêmia, em que seres de todos os tipos transitam. Estamos no mundo desenhado, em que lobos e mulheres podem conversar em pé de igualdade porque a materialização da narrativa depende do que o artista coloca no papel. Só que esse ambiente será abalado com a chegada de seres holográficos.

A partir daí temos um embate saudável entre tradicional (em forma, não em objeto) e exótico ou entre antigo e moderno. O estranhamento dos desenhados traz uma mistura de medo com tentativa de convivência. Um curta que deixa seu recado sobre como as várias formas de manifestação podem se harmonizar em um ambiente, se encerrando com a utilização da figura humana, como exemplares do gênero pautados pelo formato híbrido, como “Uma Cilada para Roger Rabbit” (1988) e “Mundo Proibido” (1992).

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Ficha Técnica da Sessão Programa 3 dos Curtas Gaúchos

Fragmentos ao Vento 1945 (Porto Alegre), de Ulisses Da Motta / 18′
Sinopse: Senhorinha é uma mulher negra que vive em uma colônia alemã no sul do Brasil de 1945. No meio da ditadura do Estado Novo, ela luta para sobreviver entre as forças opressoras e imigrantes vigiados e perseguidos.
Sopa Noir (São Leopoldo), de Beatrice Petry Fontana / 11′
Sinopse: Detetive Berinjela investiga o assassinato de Chuchu. Na tentativa de prender o responsável pelo crime, Detetive interroga quatro suspeitos e meio, sem saber que o verdadeiro culpado estava bem embaixo de suas raízes.
Corpo Mudo (Santa Cruz do Sul), de Marcela Schild / 13′
Sinopse: Diretora, que sonhava em ser astronauta na infância, visita o universo de outras mulheres para tentar entender o que criou um buraco negro em cada uma.
Magnética (Porto Alegre), de Marco Arruda / 16’
Sinopse: Em uma cidade habitada por seres desenhados, um garoto indígena testemunha uma aparição holográfica. É a chegada de uma entidade de materialidade desconhecida. Com uma presença misteriosa e alegorias exóticas, ela passa a encantar os moradores, despertando os seus sentidos mais insanos.

Clique aqui e acompanhe nossa cobertura completa do Festival de Gramado 2020.

Clique aqui e visite a página oficial do evento.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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