AGORA

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Sinopse: Em um estúdio, artistas e ativistas são convidadas/os a improvisar corporalmente seus sentimentos com a mediação do aparato cinematográfico: seus desejos, angústias, indagações. Nessa caixa escura, o contexto macro-político se entrelaça às questões íntimas. Nesse dispositivo de confinamento (tal qual o isolamento social), a escassez de palavras favorece a aparição dos corpos em sua máxima potência. Ao formular um tempo não-cronológico, a aposta do filme está na experiência sensorial do aqui e agora: da elaboração de si, do encontro fílmico, da reflexão sobre um país.
Direção: Dea Ferraz
Título Original: AGORA (2020)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 10min
País: Brasil

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Para Além de Libertação e Ocupação

Seguindo uma proposta audiovisual de ruptura com as tradições cênicas, “AGORA” é uma obra muito diferente daquela que pude assistir da diretora Dea Ferraz ano passado – mas com poder de impacto igualmente forte. Visto dentro da Mostra Novos Olhares do 9º Olhar de Cinema, a possibilidade de maratonar filmes talvez distancie o público interessado da conversa disponível no canal do festival no YouTube. Porém, ela é fundamental no diálogo da realizadora com essa produção, uma construção coletiva norteada por esse talento do cinema nacional.

Dea Ferraz, quase como uma epifania, vislumbrou o filme após o simbólico evento das eleições de 2018. Sua ideia era afastar qualquer cenário como elemento e colocar no centro alguns atores que, se imaginando dentro de uma caixa, deveriam responder o que fariam ou gostariam de fazer. De plano, há uma amplitude de objeto que já transforma “AGORA” em uma desafiadora peça audiovisual. Se na nossa crítica de “Para Onde Voam as Feiticeiras” falamos das ocupações dos espaços por corpos periféricos, sem necessidade de autorização prévia ou hora marcada, aqui a ideia é ir além dessa inegociável luta por liberdade – mesmo que não se ignore as dificuldades cada vez maiores de conquistá-la.

Mais do que ocupar e transitar, o filme nos provoca ao questionar onde aquelas pessoas querem estar – poder-dever ou simplesmente querer, o corpo político tem seu livre-arbítrio mas também tem seus objetivos pautados pela urgência da luta. Em mais uma grande produção do cinema recifense (que sempre discutimos em nossos episódios de podcast serem, na verdade, vários cinemas com múltiplas possibilidades), o alto risco do abandono narrativo, a busca pelo incômodo e todas as inquietudes que Dea Ferraz imputa à obra é recompensada com um resultado que traz uma carga simbólica e obrigatoriedade ancestral, mas que encontra seus caminhos para ser direto em vários momentos. Dialoga na estética do abandono cênico com um dos grandes curtas-metragens de 2020, também disponível no Olhar de Cinema, “O Verbo se Fez Carne“.

Se em “Mateus” (2018), outro longa-metragem de Dea Ferraz que assistimos, ela já deixava sua construção imagética ser costurada e conduzida verbalmente pelos representantes do folguedo cavalo-marinho, aqui ela generosamente deixa que esse discurso se corporalize. Todavia, a ideia de que há desapegos ou experimentalismos totais não se sustentam. A montadora de “AGORA”, Joana Collier, faz questão de tratar da busca por unidades narrativas corporais. Com um elenco de treze pessoas, as performances são as mais variadas. Seja por danças soltas ou por fortes representações de sufocamento, passando pela fala direta e inapelável sobre o genocídio negro e as dificuldades de ser mulher preta no Brasil. Portanto, a busca por uma condução de linguagem, pelo volume de criações e pelas possibilidades de edição, é fundamental para esse azeitamento.

O elenco conta com a incrível Lívia Falcão, uma atriz que sempre nos encanta quando surge na tela. Ela também fez parte da conversa sobre o filme e é tocante ver a sua emoção pela possibilidade de tratar das dores do corpo e da alma. Da mesma maneira que sensibiliza, o filme também desola. Ouvir sobre o aumento do medo, além da ditadura e a opressão que nunca deixou de existir – e mesmo assim confirmar que a leitura do futuro é de que tudo será pior, é difícil. Do saudosismo de “O Mundo é um Moinho”, uma das poucas incursões de trilha, à sensação gostosamente caótica de caminhar em plásticos-bolhas, chegamos ao término de “AGORA” com representações que remontam ao renascimento daqueles corpos. Esperamos que não somente Adelaide Santos, Flávia Pinheiro, Dante Olivier, Cris Nascimento, Joy Thamires, Kildery Iara, Lívia Falcão, Lucas dos Prazeres, Orun Santana, Raimundo Branco, Rosa Amorim, Sophia William e Silvana Góes possam curar suas dores do corpo e da alma – e que aquela inegociável liberdade se concretize em breve a todos os grupos.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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