Programa 01 de Curtas da Mostra Competitiva do 9º Olhar de Cinema
O Silêncio, O Escuro e a Solidão
Os filmes do Programa 01 de Curtas do 9º Olhar de Cinema impressionam pelo diálogo estreito que conseguem traçar – ainda que, superficialmente, as distâncias sejam muitas. Embora tratem de locais, épocas e personagens de ou com questões distintas, a angústia do momento que antecede à uma mudança permeia os quatro filmes da sessão.
Em “Noite Perpétua“, uma mãe é forçada a abandonar as filhas por questões políticas. Embora escutemos ruídos, passos e o roçar dos tecidos do manto do bebê na roupa da mãe, pouco é visto. Essa é uma das semelhanças entre os filmes. A fotografia bastante contrastada e a escuridão. Vemos, em todos eles, mas algo que se se assemelha ao presságio e não à uma visão completa de todos elementos em cena. O que nos deixa também espaço para imaginação.
Pedro Peralta explora em seu obra, coprodução Portugal e França, a aflição da mãe que sabe que precisara deixar as filhas em breve. Mas, ao invés de recair sobre o melodrama, prefere uma atuação contida que promove no espectador a ideia de que, talvez, a situação possa vir a ter uma reviravolta. Consegue também gerar beleza em uma situação que ocasionalmente não nos levaria a pensar nessa característica. Essa, aliás, é outra semelhança entre os filmes.
O brasileiro “Chão de Rua“, de Tomás von der Osten, explora os conflitos familiares com o mesmo obscurecimento e, apesar de contar uma história que poderia ser lida como comum – todos nós temos nossos problemas familiares – a relação conflituosa que cria entre dois núcleos familiares é conduzida de maneira tão fluida que beira o mistério. Aqui, também parece que a qualquer momento algum grande segredo será revelado. Será da natureza humana procurar por segredos para explicar suas próprias limitações?
Nenhum dos filmes procura se explicar muito, o que seria contraditório com a opção estética pela qual decidem suas equipes. Assim, esse certo mistério, que pode até não o ser, acompanha também o espanhol “O Mártir“, de Fernando Pomares. Não conseguimos compreender inicialmente quando cada ação se passa no filme e nem qual relação será inaugurada pelo envio de uma carta que é escrita. A carta é o filme, sonho ou narrativa paralela? Talvez, ela seja um pouco de tudo isso e, novamente, as relações familiares são o núcleo da história. Mas em “O Mártir” aparece a pergunta que mais me fez refletir ao escrever esse texto ou passar uma parte de minha noite pensando no que havia vivenciado nessa sessão do Programa 01 de curtas da mostra competitiva.
Para se estar sozinho é preciso ter se estado com alguém. Para se ter a compreensão do que é a solidão, é preciso ter se vivido o encontro. E, embora nesse caso específico, a pergunta seja destinada ao sentido religioso, já que a protagonista se refere aos olhos de Allah, podemos ampliar a questão e pensar na solidão que acompanha toda a sessão (e nossas próprias vidas).
Seriamos nós capazes de sofrer com a solidão se não houvéssemos, em algum momento, experimentado o afeto do outro. Para que exista um eu, o outro é necessário. Assim como para que exista um “estar com”. Assim, em minha percepção, os filmes dessa sessão perseguem de alguma forma a relação entre o ser, o não ser e o encontro.
“O Silêncio do Rio“, da peruana Francesca Canepa, termina com uma fábula amazônica. Passado, em grande parte, dentro de uma casa flutuante no rio, a quase integração entorpecente entre as personagens e o rio é escarafunchada (e, uso aqui essa palavra por um motivo que já explicarei) em seu grau máximo.
Canepa consegue se, ao mesmo tempo, contemplativa, sensível, mas não abandona uma investigação minuciosa entre os seres (até mesmo os peixes) e o rio.
Se é que, em algum momento, os filmes do Programa 01 de curtas se preocuparam em fazer uma separação entre real e imaginado, aqui já se abandonou-a por completo. O próprio ritmo de Canepa beira a ilusão possivelmente também causada pelas abundantes águas do Rio.
“O Silêncio do Rio fecha” a primeira sessão do festival com uma ternura mística difícil de ser conseguida em curtas. Vale dizer, todos os filmes têm esse mérito.
Ponto para curadoria.
Ficha Técnica da Sessão Programa 01 de Curtas da Mostra Competitiva
Chão de Rua (Tomás von der Osten, 20′ – Brasil)
Sinopse: Após seu expediente, o pedreiro Alberto tem um inesperado encontro com sua meia-irmã, Valéria. Ela insiste em passar a noite na casa dele, o que ele evita. Alberto acabou de fazer uma tatuagem surpresa em homenagem à sua esposa, Célia; Valéria precisa de ajuda. Um filme sobre ausências e fantasmas, a partir de uma proposta de direção que opera na precisão, na economia de planos, de uso de planos fixos e detalhes que trazem delicadeza à narrativa e de uma fotografia que revela e constrói tanto quanto os diálogos dos personagens.
Noite Perpétua (Pedro Peralta, 17′ Portugal | França)
Sinopse: Uma mulher se despede. No extracampo, as vibrações de uma guerra e, com ela, as perseguições políticas. Dentro de campo, a meticulosa construção de uma mise en scène que precisa capturar todas as nuances dessa que não é uma despedida qualquer. Os homens do lado de fora e as mulheres do lado de cá da imagem tensionam as forças de trágicos rompimentos pela narrativa dos poucos pontos de luz em cena, da delicada intensidade dos gestos e, sobretudo, dos silêncios que contam tantas histórias. (C. A)
O Mártir (Fernando Pomares, 18′ – Espanha)
Sinopse: A textura da memória ganha relevo e sons próprios numa narrativa que, a partir de fragmentos de imagens (tais como acontecem nossas recordações), se nega a repetir a expectativa de violência e agressividade em corpos de homens sírios que são perseguidos em determinados territórios. O que agencia esses corpos masculinos é nada senão a ternura, a fraternidade. Desta vez, contada sob o ponto de vista de uma mulher que fala também sobre esses processos cíclicos de cuidado com o outro.
O Silêncio do Rio (Francesca Canepa, 14′ – Peru)
Sinopse: Em El Silêncio del Río, acompanhamos o mundo onírico de um menino de 9 anos, morador de uma casa flutuante no rio Amazonas, que quer ser um contador de histórias. Para ele, a alma do pai está confundida, pois dorme durante o dia e vive durante a noite, momento que sai para pescar. Nesta fabulação, os mistérios dos sonhos são mesclados com a vivência cotidiana. Em uma noite, o filho sai a procura do pai.
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