Pajeú

Pajeú Filme Crítica Olhar de Cinema

Sinopse: O riacho Pajeú, em Fortaleza, vítima do processo de urbanização da cidade, corre silencioso debaixo dos arranha-céus. Para a professora Maristela (interpretada por Fatima Muniz), recém-chegada na cidade, a invisibilidade do riacho toca o íntimo do seu ser: transformado em monstro ultra-poluído, ele lhe aparece em sonho com ares de filme de terror. A tentativa de contornar o esquecimento (seu e da cidade) torna-se, então, o esforço em recuperar os fragmentos dessa história, em criar memórias coletivamente. Sob um regime ficcional perfurado pelo encontro com espaços reais e ilustres desconhecidos, o filme refaz o curso do rio de modo a restaurar os pedaços de sua gente.
Direção: Pedro Diógenes
Título Original: Pajeú (2020)
Gênero: Drama Documental
Duração: 1h 14min
País: Brasil

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Historiografia Cartográfica

Pedro Diógenes, menos de 40 anos, seis longas-metragens e dez curtas-metragens no currículo também é, de certa forma, cartógrafo. Não que ele não saiba e que não saiba da importância do olhar territorial de Fortaleza sobre suas obras. Desde o rubianismo trazido por Roberta Mathias em seu texto sobre “Inferninho” (2018) – co-dirigido por Guto Parente, aqui creditado como montador; até a forma direta de trazer essa temática, como o faz em “Pajeú“, parte da Mostra Novos Olhares do 9º Olhar de Cinema. Maristela (Fatima Muniz) é uma professora do ensino fundamental recém-chegada em Fortaleza. Ela sente um incômodo, algo inexplicável, que a leva a ter pesadelos com um monstro de poluição dentro do que restou do riacho que dá nome ao filme. Sendo assim, ela inicia uma busca sobre as origens e o passado daquele córrego, uma forma de curar aquelas atribulações de sua mente.

O cineasta baseia sua narrativa no questionamento: o que havia naquele espaço por nós ocupado antes de nossa chegada? Assim como outras grandes capitais viram seus rios se transformarem em um esgoto a céu aberto (São Paulo com o Tietê e outros, Rio de Janeiro com o Maracanã e outros), a capital cearense também tem sua história relacionada a alguns deles. O que já foi meio de sobrevivência e depois de transporte, agora é apenas um morto que transita e, no caso de cheias provocadas pelas chuvas, promove sua dose de caos urbano.

Pajeú“, então, costura essa união entre representações ficcionais e busca pelo documental, sempre identificada na face mais efervescente do audiovisual brasileiro. A protagonista toma como missão a pesquisa sobre a configuração da cidade onde mora antes da derrocada do córrego. Quer compreender os motivos que o fizeram um ponto morto do território e conversar com pessoas que tiveram suas vidas marcadas por ele. Maristela, na verdade, anseia mergulhar – não no rio – mas na nova sociedade a qual se inseriu. A fantasmagoria da imagem onírica no Pajeú e a solução que ela tenta encontrar com informação nada mais é do que uma desculpa para ser, também, parte de um grupo.

O diretor demonstra, contudo, que sua personagem não encontra resistência nas interações sociais. Deixa claro com suas criações narrativas que ela quer, na verdade, ir além. Faz amizades, com graus de intimidade que vão de dividir a própria casa ou cantar aquela música no videokê depois que o álcool sobe (por sinal, em cenas tão interessantes quanto o curta-metragem “Noite de Seresta“, selecionado para o mesmo festival).

Isso torna a presença de Maristela ainda mais valiosa. Ela fornece mais do que pede naquele espaço. Ao traçar caminhos ancestrais e atuais do Pajeú, ela dá uma contribuição fundamental na cada vez mais necessária cartografia social de áreas periféricas. Mais do que internalizar as vivências ou chegar a conclusões existencialistas, a personagem é heroína pelo legado. Ao ouvir aquelas pessoas, ela atua não como uma fiscal, mas como uma interessada no progresso daquela sociedade – ou de parte dela, ou individual de quem discursa. Um agente externo que não apenas incentiva, mas transmite conhecimento. Pedro Diógenes, na poesia objetiva de sua obra, faz de Maristela novamente uma professora – sua grande missão de vida, como é de todos os profissionais da área. Faz isso na transmissão do conhecimento aos jovens na praia que não fazem ideia do que seria o tal rio e sua importância histórica. É quando, mesmo sem nunca ter – de fato – convivido com ele, a protagonista salva “Pajeú” do maior medo de grande parte das pessoas: o apagamento.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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