Limiar

Limiar Crítica Filme Mostra SP Pôster

Logo Mostra SP 2020Sinopse: Um cineasta armênio procura locações para o seu próximo projeto, que busca retratar as raízes ancestrais de seu país. Em uma mistura de ficção com imagens quase documentais, em “Limiar” o realizador encontra pessoas ao longo da viagem. As complexas realidades geopolíticas que impactam a região também chamam a atenção do diretor, em uma narrativa que caminha entre o mundano e o transcendental.
Direção: Rouzbeh Akhbari e Felix Kalmenson
Título Original: Threshold (2020)
Gênero: Drama Documental
Duração: 1h 04min
País: Armênia | Canadá | Turquia | Geórgia

Limiar Crítica Filme Mostra SP Imagem

Até Chegar no Limiar

Limiar” traz ao espectador brasileiro, dentro da Competição Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um pouco da Armênia. País de apenas três milhões de habitantes, estima-se que quase o triplo de imigrantes ou descendentes deste povo encontram-se espalhados pelo mundo. Território que, durante o século XX, sofreu com genocídio praticado pelos turcos e teve dificuldades econômicas por ser a menor república soviética. Nesse espaço, os diretores Rouzbeh Akhbari e Felix Kalmenson contam a história de um cineasta à procura de locações para seu próximo filme.

Sem querer tratar de tantas obviedades, mas o viés contemplativo do longa-metragem é, de plano, o que chama a atenção. Com belas captações de imagens e uma narrativa que foge do convencional, o objetivo de imersão na jornada daquele homem é alcançada com as técnicas comuns ao gênero. Além disso, prólogo e epílogo com cargas ficcionais mais fortes do que o restante da projeção. De início, nosso protagonista caminha pela neve e se pega em uma carcaça de trem. Não sabemos precisar em que estágio da criação do projeto audiovisual ele está – se já totalmente dentro da missão de processar locais em potencial ou se ainda na busca por inspiração.

Por sinal, se há algo que nos acompanha a todo tempo em “Limiar” é esse diálogo com modos de fazer e possibilidades de uma realização artística. Nessa introdução, o personagem parece sempre perdido e no seu primeiro contato fala na busca pela “janela para o Universo”. Alguns momentos indicarão parte dessa perseguição do protagonista. Ao dizer durante uma viagem de carro que certo som “soa como namaz“, podemos perceber que ele faz parte da religião muçulmana ou tem nela referências. Na Armênia, os não católicos são uma parcela minúscula da população, ao ponto de uma vertente própria do Cristianismo ser a religião oficial há muitos séculos.

São formas de se entender e compreender o espaço onde vive – ao mesmo tempo que relacionar tais manifestações à hipotética narrativa a ser contada por aquele cineasta. Akhbari e Kalmenson fazem da contemplação básica um olhar objetivo, mesmo que seus fins sejam múltiplos. Captando apenas o som ambiente, não se preocupam com a maneira como o elemento sonoro se manifestará em determinadas cenas. É um procedimento que contribui para a caracterização de um filme de aprofundamento. Até porque a relação entre as pessoas que circundam a trajetória daquele homem não são simples. Um local fronteiriço em que turcos e azerbaijanos dividem territórios, o que torna mais difícil a compreensão total. Na já citada sequência no carro, essa barreira idiomática fica clara.

Sem uma representação definida, os diretores transitam entre essas relações interpessoais (e bem poucas imagens da cidade, o que sempre frustra nossa curiosidade) e longas caminhadas do personagem. Parece que ele mais reflete do que analisa de forma incisiva o quê dessa incursão se tornará objeto do seu futuro fazer artístico. Com uma parte final que usa o adensamento provocado por uma mistura de neve e neblina para por fim a “Limiar“, os cineastas transformam um difícil exercício de proposições de imagens em um novo, de narrativa – telegrafando a ficcionalidade já mencionada do epílogo e deixando a experiência da viagem semidocumental perdurar no imaginário do espectador.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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