Druk – Mais uma Rodada | Another Round

Druk - Mais uma Rodada Poster Destaque

Logo Mostra SP 2020Sinopse: Existe uma teoria de que deveríamos nascer com uma pequena quantidade de álcool em nossa corrente sanguínea, e que a modesta embriaguez abriria nossa percepção para o mundo a nossa volta, diminuindo nossos problemas e aumentando nossa criatividade. Encorajado por essa teoria, Martin e três de seus amigos, todos eles professores do ensino médio já desmotivados, embarcam em um experimento para manter um nível constante de intoxicação alcoólica ao longo do dia de trabalho. Os resultados iniciais são positivos e o pequeno projeto dos professores se transforma em um verdadeiro estudo acadêmico.
Direção: Thomas Vinterberg
Título Original: Druk | Another Round (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 56min
País: Dinamarca

Another Round Thomas Vinterberg Druk Filme Crítica Mostra SP Imagem

In-Fans

De surpresa, a organização da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo anunciou como filme de encerramento “Another Round” (que ganhou no início de 2021 título em português e se chamará “Druk – Mais uma Rodada“), longa-metragem dirigido por Thomas Vinterberg e parte da seleção oficial simbólica da mostra competitiva do Festival de Cannes 2020 (aquele que nunca ocorreu, na resistência francesa de não se render a outras formas de exibição a não ser a tela grande). Veterano diretor, de sucessos de crítica como “Festa de Família” (1998) – pedra fundamental do movimento Dogma 95 e o mais recente “A Caça” (2012), ele traz um protagonista (novamente estrelada pelo ator Mads Mikkelsen) adaptado aos novos tempos, de fragilidades masculinas as quais uma geração de meia-idade não vem conseguindo lidar.

O filme conta a história de um grupo de quatro professores de uma escola de ensino fundamental e médio da Dinamarca, entre eles Martin. Acostumados a serem o topo de uma gama de relações, se colocando como chefes de família em casa e grandes mestres em seus ofícios, eles começam a questionar suas próprias inseguranças, em um mundo que cada vez mais aplica um olhar crítico sobre eles, não os admitindo como líderes natos de toda e qualquer relação social. Não há em nenhum momento confronto com aquela realidade gestada por um passado patriarcal. É curioso ver como todas as neuroses e buscas por sentido partem da cabeça deles.

Em uma mistura de tédio e desespero que os faria perder o controle da vida para, em seguida, retoma-lo, eles propõe um experimento. Inspirado na ideia do psiquiatra dinamarquês especializado em transtornos alimentares (e crítico de cinema) Finn Skårderud de que possuímos um déficit de 0,05% de álcool em nosso organismo, eles se manterão ligeiramente alcoolizados durante todo o dia.

Isso faz com que “Druk – Mais uma Rodada” se vincule de certa forma com “Sideways – Entre Umas e Outras” (2004), road movie dirigido por Alexander Payne que não saiu da bolha da crítica estadunidense, mesmo sendo lembrado na corrida do Oscar daquele ano. Trata-se de mais uma trama sobre adultos mal resolvidos e sua busca por sentido. Aqui, sem o recorte de gênero (olha o Dogma 95 que ainda reverbera). Vinterberg conduz seu longa-metragem de forma bem menos divertida, até flertando com o obscurantismo. De estética tradicional, se permite fugir do óbvio apenas usando um pouco de câmera na mão, simulando a visão turva e os passos claudicantes de quando estamos bêbados (Dogma 95 ainda em ação). Além disso, usa a bebida como algo festivo e socializante – de fato – apenas no prólogo, quando mostra alguns jovens fazendo uma espécie de corrida no parque movidos a cerveja. Por sinal, promove uma quebra da música animada para o silêncio total dos créditos iniciais muito significativa. Ao ambientar o espectador em uma escola, o cineasta já nos induz ao perigoso caminho que os professores seguirão ali.

Não é tão traumático como outras narrativas envolvendo profissionais de ensino – um exemplo que vai por esse caminho é o recente “O Professor Substituto” (2018), drama francês dirigido por Sébastien Marnier e parte da programação do Festival Varillux de 2019 (uma mostra que, infelizmente, não acompanharemos em 2020 por ter optado por ser totalmente presencial em meio à pandemia do novo coronavírus). Aliás, estamos diante de uma história de adultos, em que crianças e adolescentes transitam sem carga dramática. É um filme que se concentra em poucos personagens e usa essa crise existencial, essa imprecisão de leitura sobre si, para não destrinchar tanto aquelas personalidades. Martin, por sinal, verbaliza sua insatisfação ao dizer que se acha sem graça e, naturalmente, vai imputando ao álcool um elemento socializante – quase como se não tivesse escolha diante de uma vida conjugal insatisfatória e rotina profissional pouco desafiadora.

Falando em palavra, vale resgatar que a etimologia de infância (o título desta crítica, a expressão em latim in-fans) diz respeito àqueles que não falavam – portanto, ainda primitivos. Platão dizia que era a contraposição de um entendimento acerca da razão (logos). Mais adiante, Descartes falaria do aprisionamento da alma no corpo. Construções de pensamentos que ampliaram o debate acerca de uma educação formal (e, para os conservadores, moral) das crianças e adolescentes. Não é a toa que o filme justapõe essa ideia de ambiente de formação com as figuras de mestres totalmente perdidos em seus anseios.

Em nossa crítica de “Luz Acesa” (2020), também parte da programação da Mostra SP, falamos um pouco dessa função social da bebida – inegável, por sinal. Em “Druk – Mais uma Rodada” precisamos de apenas uma cena, uma pequena montagem, para entender a potência desse elemento na vida daqueles homens de meia-idade. Uma viagem pela Europa com vinhos, vodcas e champanhes e um sentimento de desprendimento que os fazem discutir os caminhos da humanidade com muito mais propriedade que os protagonistas de “Malmkrog” (2020). Mas, também falamos que fugir desse elemento socializante é muito fácil, se tornando o caminho para desenvolver uma questão clínica motivada pelo vício (por sinal, pouco discutida em um período de longo isolamento SOCIAL o qual estamos passando).

O longa-metragem segue essa lógica de uma época em que saúde mental é trevo de quatro folhas perdido em canteiro, dentro de uma sociedade patriarcal (em parte) mitigada. A perda de relevância de Martin e seus colegas de trabalho, o fim do protagonismo natural, transformou uma tradicional válvula de escape em uma missão. Vinteberg alia muito bem o conceito de fracasso materializado o tempo todo nos protagonistas com o resgate da esperança em uma geração de formandos – que se erguem ao final de “Druk – Mais uma Rodada“, mas durante a trajetória do filme se mostram pessoas sem voz – como se aparentemente fossem eles os frágeis que possuem a alma aprisionada no corpo, como já mencionamos.

Não deixa de ser melancólico e até um pouco deprimente a forma como o filme deixa nu aquele senhor, representante de uma leitura envelhecida que – desesperado por se entender útil – se infantiliza como se pudesse “se jogar” em um mundo que não lhe quer mais do jeito que ele sempre foi. Uma libertação de alma tardia, que pode ser lida tanto como redenção (redepmtio, comprar de volta ou ter de novo) quanto como o ridículo (ridiculus, fadado ao riso).

Assista ao trailer de “Druk – Mais uma Rodada”
O filme estreia em circuito no dia 25 de março:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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