Mostra Olhar do Ceará | Sessão 4 de Curtas
Ausências Sentidas
Filhas ausentes, em mais de uma acepção da palavra. A Sessão 4 de curtas da Mostra Ceará, dentro da programação do 30º Cine Ceará, tem um fato gerador parecido, com estéticas e linguagens bem dissonantes. Até por conta da maior duração, a dificuldade de diálogo dessas obras tão vinculadas entre si mas pouco relacionadas com as outras produções, fez com que a curadoria montasse um programa de apenas dois filmes. Com isso, a frontalidade da experiência – mesmo que arte não seja elemento comparativo – ficou ainda mais latente.
O primeiro curta-metragem ampliou a potência sentimental em um ano tão confuso, solitário e deprimente quanto 2020. “Quando Vier a Primavera, Se eu Já Estiver Morto…” é uma forma de Robson Lima nos convocar a pensar naqueles que estão distantes. Um protagonista que tem o rádio como amigo e especial predileção por “Porque Chora a Tarde“, clássico da MPB na voz de Antônio Marcos.
Feito totalmente com celular, o olhar da câmera de Lima consegue ser exploratório ao mesmo tempo que registra a desolação do personagem. A filha é uma lembrança. Ela, que sempre promete passar as férias na cidade do interior em que morava, consegue empilhar compromissos e desculpas que a mantém afastada dali. Por quase todo o tempo do filme ela é uma voz, que parece permanecer na consciência dele – descontando no trabalho pesado da terra a frustração da prole que lhe abandona sem que se dê conta da dor que inflige.
Os elementos de água e fogo como complementares ampliam o tom poético do curta-metragem. Lembranças queimadas e lavadas, a busca incessante do velho que – não queria – mas precisa atingir uma autonomia de sentimento, posto que a dependência do outro lhe foi negada. Espero que esse ano nos ensine a ser mais generoso com a dor e o amor dos nossos.
A outra produção da Sessão 4 é “Santa Mãe“, de Thiago Barbosa. Aqui a temática do sofrimento parental ganha nova forma, em que o registro do cotidiano extremamente mundano do filme anterior perde espaço para o fantasioso. Sandra é uma mãe que pede à santa de sua devoção, Nossa Senhora de Fátima, que lhe permita reencontrar a filha, recém-falecida.
Há uma construção que tenta sugestionar, que não deixa latente as intenções. Barbosa desenvolve a personagem como se ela seguisse o caminho do arrependimento ou da busca pelos próprios erros – para que isso não abale a sua fé. O ritmo claudicante do curta-metragem torna a persona de Sandra mais atraente ao espectador do que o próprio desenrolar da trama, o que é incomum para quem se utiliza de linguagens de gênero.
Por fim, a conclusão proposta se coaduna com a narrativa de estranhamento que o cineasta, mesmo que parecendo buscar um tom próprio em alguns momentos, quer passar.
Ficha Técnica da Sessão 4 de Curtas da Mostra Olhar do Ceará
Quando Vier a Primavera, Se eu Já Estiver Morto… (2019, Robson Lima, Brasil, 15′)
Sinopse: Um velho cuida da flor de sua filha, que estuda na cidade.
Santa Mãe (2020, Thiago Barbosa, Brasil, 24′)
Sinopse: Sandra, uma mãe prestes a enterrar a filha (Maria de Fátima), suplica a Nossa Senhora de Fátima o retorno dela. Misteriosamente o milagre acontece, porém, desperta diversos sentimentos ruins nos moradores daquele lugar fazendo com que Sandra faça atos impensáveis para proteger a filha.
Mostra Olhar do Ceará | Sessão 4 de Curtas
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