Mostra Olhar do Ceará | Sessão 3 de Curtas

Cine Ceará Sessão 3 da Mostra Olhar do Ceará de Curtas

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Mostra Olhar do Ceará | Sessão 3 de Curtas

Um Encontro de Formas

Scelus Edmilson Filho Curta Sessão 3 Mostra Olhar do Ceará Cine Ceará
Scelus (Edmilson Filho)

A Sessão 3 de curtas-metragens da Mostra Olhar do Ceará, dentro da programação do 30º Cine Ceará, reúne três produções em que podemos observar as nuances entre ficcional e documental. A forma contemporânea de captação de imagens naturais, o uso de populares como atores e a utilização de uma câmera observadora, de registro de espaços, por vezes deixa que essa cisão de linguagem seja, de fato, relevante. Portanto, é interessante quando uma ou outra obra assume um dos lados, ainda mais quando funcionam tão bem para o que se propõe.

Abrindo a sessão, “Scelus” é o mais recente trabalho do produtor, diretor e comediante Edmilson Filho. A palavra, que significa crime em latim é o mote de uma das poucas obras do festival que se assume extremamente ficcional – ao lado do curta-metragem “5 Estrelas“, parte do recorte nacional. Experiente em um cinema de guerrilha, o cineasta se vale de elementos que parte do exagero narrativo, do toque de irreverência, para constituir um elemento narrativo completo.

O filme nos remonta a produções caseiras da década de 1990, que veio a ser laboratório de muitos realizadores que se profissionalizaram quando o acesso às ferramentas audiovisuais se popularizaram. Outros, infelizmente, não seguiram a jornada – ou passaram a atuar em outros setores. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, ganhava espaço no início da era da internet a Pepa Filmes. Cada região encontra suas referências, mostrando que esta forma de expressão não deixou de ser um dos embriões de representatividade.

O que Edmilson Filho faz, entretanto, é adicionar provocações sociais ao seu produto, que hoje não é mais tão marginalizado. Por trás das sequências de artes marciais e de filmes de ação tal qual nossas referências oitentista de vídeo locadoras, está um casal de protagonistas formado por um policial e uma enfermeira. Uma nova conceituação de herói por pessoas que, nas palavras dos próprios personagens, “faz seu melhor sem estrutura nenhuma“.

Doce Veneno Waleska Santiago Curta Sessão 3 Mostra Olhar do Ceará Cine Ceará
Doce Veneno (Waleska Santiago)

Em “Doce Veneno“, a cineasta Waleska Santiago segue caminha oposto. Mergulha na linguagem documental para traduzir em imagens uma premiada série de reportagens de Melquíades Jr. “Viúvas do Veneno” foi publicada pelo Diário do Nordeste em 2013 e colecionou prêmios, inclusive concedidos pelo Ministério Público do Trabalho. Aqui estamos diante de uma obra de pós-denúncia, que tem o peso de valorizar a atuação a atividade jornalística e suas implicações.

Se o Ceará foi o primeiro Estado a abolir os aviões que pulverizam agrotóxicos cancerígenos em suas plantações (Lei José Maria Filho, trabalhador brutalmente assassinado, mártir da luta social e ambiental), muito se deve ao trabalho de Melquíades e equipe de apoio. Fundamental para a mobilização da sociedade, que não conseguia comprovar a relação entre as doenças da população e as doenças congênitas de quem nasceu após o uso desses venenos no trabalho dos familiares. Durante a Mostra Ecofalante de Cinema, quando falamos sobre o longa-metragem “Sufocado” (2018) desenvolvemos um pouco essa ideia de homicídio corporativo e vale a pena indicar a crítica para relembrar esse debate.

Há uma interessante ferramenta de linguagem, que usa vídeo institucional da Del Monte, responsável pela tentativa de potencializar a produção de frutas locais para usar como produto de exportação. Alguns filmes, como Chão“, de Camila Freitas, faz esse mesmo uso. Ainda perpassa toda a motivação que deseja esmagar as conquistas de direitos trabalhistas, sob a velha desculpa da flexibilização que trará mais empregos, mostrando os novos desdobramentos da questão inicial apontada pela reportagem de quase uma década.

Ainda encontra um parceiro na música de Chico César, “Reis do Agronegócio“, outra inspirada realização que atravessará os tempos e nos fará lembrar com vergonha o período pelo qual estamos passando.

Cacau Ton Martins Curta Cine Ceará
Cacau (Ton Martins)

A Sessão 3 se encerra com “Cacau“, de Ton Martins. Assim como os outros dois curtas-metragens, houve a opção por não-atores (uma expressão imprecisa, já que eles atuaram – melhor falar em elenco com pouca experiência). Estamos diante de uma obra que encontra uma linha mais tênue entre ficcional e documental do que as que lhe antecederam. Usa um expediente cada vez mais comum no audiovisual, um registro imersivo no cotidiano para desenvolver (ou não) a narrativa de forma mais contundente na parte final.

Mais uma célula de criação de um cinema que mergulha profundamente para traçar seu caminho, por vezes pouco verbalizado. Martins transforma seu trabalho em diversos exercícios, captando através de espelhos e aplicando o uso de profundidade. Desenvolve bem a narrativa a partir daí, em uma abertura para voos maiores daqui para frente.


Ficha Técnica da Sessão 3 de Curtas da Mostra Olhar do Ceará

Scelus (2020, Edmilson Filho, Brasil, 2020)
Sinopse: Rivalidade entre facções, drogas, intrigas e mortes. Levando um homem ao seu limite entre a ética e a justiça.
Doce Veneno (2020, Waleska Santiago, Brasil, 16′)
Sinopse: Doce Veneno (Sweet Poison) é um documentário que elucida as consequências do uso de agrotóxicos no Nordeste do Brasil. Limoeiro do Norte é uma cidade de 60.000 habitantes, onde o envenenamento por agrotóxicos devastou comunidades. Desde abastecimento de água contaminada a altos incidentes de defeitos congênitos, doenças terminais, os habitantes desta cidade foram intimamente afetados por sua exposição a agrotóxicos. Enquanto os trabalhadores agrícolas ainda estão preparando e pulverizando pesticidas sem acesso à proteção adequada, uma pessoa está morrendo de câncer a cada nove dias. Quando o ativista local Zé Maria revelou os impactos prejudiciais dos pesticidas para a mídia, ele foi assassinado por se manifestar. Trabalhadores agrícolas de Limoeiro colaboraram para organizar e defender, e ganharam legislação histórica para proteger sua comunidade.
Cacau (2020, Ton Martins, Brasil, 16′)
Sinopse: No sertão, área serrana do Ceará, o calor sufocante se manifesta em Cacau. Neste lugar inóspito encontra sua maneira de se refrescar e preencher o ócio sem dar importância aos julgamentos alheios. A forma livre de viver alimenta e impacta as intenções de Genildo. Há uma misteriosa sensação de desejo que pode levar a situações inesperadas.

Mostra Olhar do Ceará | Sessão 2 de Curtas

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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