Mostra Olhar do Ceará | Sessão 6 de Curtas

Cine Ceará Sessão 6 da Mostra Olhar do Ceará de Curtas

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Mostra Olhar do Ceará | Sessão 6 de Curtas

Insólito Cearense

Cidade Pacata Ezequias Andrade Curta Cine Ceará Sessão 6 Mostra Olhar do Ceará
Cidade Pacata (Ezequias Andrade)

As produções da Sessão 6 de curtas-metragens da Mostra Olhar do Ceará do 30º Cine Ceará atualizam toda a simbologia do sertão, objeto de visões atravessadas, estereotipadas e estigmatizadas do audiovisual brasileiro de outras épocas. Mostram que a representatividade no olhar pode trazer discursos que ultrapassam o resgate de um tradicionalismo regionalista – mostrando que a originalidade de um realizador não encontra limites espaciais ou temporais.

Cidade Pacata” de Ezequias Andrade abre a seleção. Com a intervenção de um narrador, ele conta a história de José Arruda, um jagunço que passa os dias entre encontros com sua amante mais jovem e a cobrança de dívidas do patrão que nunca aparece em cena. Aqui o extraordinário surge como ferramenta de ponto de virada. Na maior parte da projeção, estamos diante de uma clássica história de um território onde o justiçamento é um expediente aplicado como regra.

Mais do que entender isso como um fato social, o resgate dessas tramas confirmam a tese de que poderes paralelos e novas dinâmicas de opressão só ocorrem onde o Estado se ausenta. Com isso, a comunidade encontra ou se submete às suas próprias leis, em que a vida pode ser valorada de forma diferente. Porém, sempre teremos vítimas que se erguerão – quem sabe no post mortem? – contra a barbárie semi-institucionalizada.

A Retirante Débora Ingrid e Henrique Oliveira Curta Cine Ceará
A Retirante (Débora Ingrid e Henrique Oliveira)

Já “A Retirante” se assume mais experimental, uma narrativa fora do que o espectador-médio se acostumou. Aqui a narradora é parte ativa da história. Gravado em Quixeré e Russas (que em 2020 ganhou o Brasil com o lançamento de “Pacarrete“) no Vale do Jaguaribe, a própria diretora Débora Ingrid (em trabalho realizado em conjunto com Henrique Oliveira) assume no discurso de abertura em vídeo a transposição das artes cênicas para a formatação do curta-metragem. Sua ideia é trabalhar a estética do sertão dentro de uma trama mais universalista.

Para isso, os cineastas usam uma das lendas resgatadas em “Mulheres Que Correm Com Os Lobos“, livro lançado por Clarissa Pinkola Estés no final dos anos 1980 e que se mostrou um dos raros sucesso editoriais fora de nicho do país nos últimos tempos. A “Retirante Esqueleto” é uma personagem tão bem trabalhada quanto a linda fotografia do filme. À primeira vista um conto de terror, com toques de um bonito romance. Uma forma de atualização de várias leituras e histórias (como a do Carcará) em uma dos melhores produções da Mostra Olhar do Ceará até agora.

Ser Tão Nossa Antônio Fargoni Curta Cine Ceará
Ser Tão Nossa (Antônio Fargoni)

Encerrando a Sessão 6, “Ser Tão Nossa” é mais um esperado trabalho de um dos projetos mais interessantes em curso no audiovisual brasileiro, o Cinema Instantâneo. Falamos de algumas obras na cobertura do 2º FestCimm – Festival de Cinema do Meio do Mundo (em um recorte chamado de Nossa Mostra). Aos poucos, as excelentes produções desse coletivo vão ganhando outros espaços. “Remoinho” (de Thiago A. Neves, também presente no recorte nacional do Cine Ceará), por exemplo, fez parte da seleção de curtas do Festival de Gramado deste ano. A direção aqui é de Antônio Fargoni, o mesmo de “O Caminho das Águas” e “Dos Filhos Deste Solo és Mãe“.

Esta obra foi realizada em Quixadá, município cearense – contando com a participação da Escola de Cinema do Sertão. Com menos de dez minutos, funciona em sua temática como um auto de fé, de descoberta de origem. Só que faz isso com uma estética deslumbrante, em que o preto e branco na fotografia está longe de ser gratuito. Um registro de uma das mais belas áreas do sertão cearense, com imagens estonteantes.

Se o filme anterior traz clássicas lendas do Ocidente na aplicação do fantasioso, aqui a conexão de território é direta. Uma mulher entre referências. O vento rola as páginas da Bíblia e do Memorial de Maria Moura. São séculos de história que antecedem aquela procissão solitária, ao mesmo tempo em que é um cinema tão vistoso quanto um romance de Rachel de Queiroz. É o audiovisual brasileiro encontrando tantas narrativas, formas e linguagens que entende necessárias – chegando às nossas vistas em festivais que se revelam verdadeiras safras de um patrimônio cultural que ainda não temos total noção do seu poder e alcance.


Ficha Técnica da Sessão 6 de Curtas da Mostra Olhar do Ceará

Cidade Pacata (Ezequias Andrade, 20′ – Brasil, 2019)
Sinopse: O que você faria se, de repente recebesse uma cobrança com uma ameaça de morte? Numa pequena cidade do sertão nordestino, onde nada de especial acontece, Antônio recebe uma visita inesperada e agora corre contra o tempo para salvar sua vida, enquanto uma série de assassinatos assombram a região.
A Retirante (Débora Ingrid e Henrique Oliveira, 13′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Um pescador ribeirinho, num final de tarde de pesca, descobre ter fisgado o esqueleto de uma retirante que há muito tempo estava submersa nos rios. Sua ossada enredada se agarra ao coração do pescador numa noite encantada.
Ser Tão Nossa (Antônio Fargoni, 8′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Dialogando entre o misticismo e a fé, a ação e a intuição, uma Mulher se conecta consigo mesma e enfrenta o seu destino.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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