Nazinha Olhai por Nós

Nazinha Olhai por Nós Belisário França Cine Ceará Pôster

Cine Ceará Banner

Sinopse: Às vésperas do Círio de Nazaré, uma das maiores festividades católicas do mundo, quatro presidiários aguardam por um indulto especialmente concedido para aqueles que desejam celebrar Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da cidade de Belém.
Direção: Belisário Franca
Título Original: Nazinha Olhai por Nós (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 27min
País: Brasil

Nazinha Olhai por Nós Belisário França Cine Ceará Imagem

Ser Visível de Novo

A curadoria do 30º Cine Ceará segue sua tendência de entregar produções de forte teor social, uma forma em grande estilo da Apostila de Cinema revistar, no último mês do ano, muitas questões aqui abordadas. “Nazinha Olhai por Nós” é mais um poderoso documentário dirigido por Belisário Franca, uma co-produção entre Giros Filmes e Globo News. Por sinal, sua ausência na edição deste ano no Festival É Tudo Verdade é muito sentida (não sabemos se houve a submissão, claro). O canal por assinatura do Grupo Globo, que está em um agudo processo de centralização de sua produção, participou não apenas do evento criado por Amir Labaki como do Festival de Gramado – e é com muita honra que seu enviado ao festival de Fortaleza seja um dos filmes mais fortes de sua safra de 2020. Mesmo assim, cairia muito bem por lá de igual maneira.

Acompanhando quatro presidiários, duas mulheres (Neuza e Raíssa) e dois homens (Julio e Everaldo), a obra se propõe a fomentar debates sobre o cruel sistema carcerário brasileiro. Usando as proximidades do Círio de Nazaré, uma das maiores manifestações religiosas do mundo e que acontece anualmente em Belém, capital do Pará, a narrativa segue a imersão nos meandros das instituições públicas – uma forma de expressão celebrada em “Justiça” (2004) documentário dirigido por Maria Ramos há quase vinte anos – e que pode ser considerado um divisor de águas nessa forma de registro de procedimentos antes invisíveis ao público. “Homens Invisíveis“, um dos curtas-metragens mais fortes do Festival Taguatinga de Cinema deste ano, foi uma das obras que retornou à minha mente ao assistir a essa produção.

Na abertura da sessão virtual nos Canais Globo, o próprio Franca confirma que os oprimidos são objeto de grande interesse em seus projetos. Em “Nazinha Olhai por Nós” ele consegue encontrar em poucos personagens uma multiplicidade de características: não apenas de gênero, mas de idade, origem e fatos geradores. Chama a atenção as absorções distintas sobre a experiência de fazer parte do sistema. Sem tecer julgamentos ou adentrar na vida pregressas das duas mulheres do Presídio Feminino Ananindeua, por exemplo, nota-se um sentimento de injustiça por parte de Neuza e de arrependimento do lado de Raíssa.

Com o auxílio de advogados militantes e representantes da Defensoria Pública, o diretor encontra na montagem um tom certo de representação crítica. Vai inserindo temas, como a ausência de presunção de inocência em face do racismo institucionalizado. Para a ilógica estatal, a carne do preto pobre pode perecer na cadeia, em prisões preventivas que duram anos a fio. Enquanto isso, Julio mostra a real situação das instalações da Colônia Penal Santa Izabel, um tour marcado pelas condições precárias de sobrevivência dos presos. A edição revela que boa parte das canções católicas são uma espécie de elo com o mundo de fora – e uma maneira de sentir um pertencimento naquela comunidade imposta.

Política carcerária é ignorada no Brasil. A simples possibilidade de falarmos dela, usando a humanização como premissa, já nos joga em um suposto grupo ideológico contrário à moral e aos bons costumes. Quando, na verdade, a luta por dignidade é estendida a todos, uma vez que estamos diante de um sistema quase-universalista (talvez o dia em que prerrogativas de foro ou privilégios deixem de existir, isso seja levado a sério). Quando o longa-metragem olha para os lados, adiciona em sua abordagem as pessoas próximas do quarteto principal, é possível atingir uma materialização ainda mais evidente da complexidade e dos desdobramento de situações como essa.

O arrependimento de Raissa é fruto de um envolvimento amoroso de influência negativa. Sem se esquivar de suas responsabilidades, o que lhe dói é encarar a própria mãe. Mal sabe a jovem que aquela senhora constrói dentro de si a sua parcela de culpa e de arrependimento. Será que não deveria ter dado outros alertas de que aquela situação não ia bem? O quanto parentes e amigos devem influenciar a vida de quem amam a fim de evitar uma situação excepcional como o cumprimento de uma pena? O documentário ainda encontra uma situação extrema, onde o simples desejo de abandonar atividades criminosas não é o suficiente para salvar-se.

Pois é aí que “Nazinha Olhai por Nós” toca na ferida. A excepcionalidade da medida nem sempre é a regra. Estamos diante de personagens pretos e pobre, não lembra? Pois bem, até mesmo os direitos oriundos de uma pena fixada são verdadeiras lutas. Uma via crucis, termo tão banalizado por advogados em sua retóricas exageradas nos tribunais e peças processuais. Remete a um exercício de fé, a mesmo que aquelas comunidades professam nos presídios representados no filme de Franca. A progressão de pena e a saída temporária acabam, por fim, gerando um novo trauma: o medo da volta. Só que agora eles retornarão ao centro de visibilidade e a sociedade, de forma absurda, agirá inapelavelmente para reprimi-los.

Veja o Trailer:

Clique aqui e visite o site oficial do Cine Ceará.

Clique aqui e tenha acesso a todos os textos da nossa cobertura.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *