Às vezes recorremos à eufemismos ou ficções para tornar a realidade mais amena para as crianças, mas quando ela se torna forte e violenta, não há parede de vidro capaz de sustentar ficções, como observamos na sessão que reúne dois breves curtas-metragens do México, na programação da Mostra Latino-Americana de Curtas. A realidade atravessa diariamente os corpos de nossos futuros adultos, infelizmente não somente como figura de linguagem, mas os colocando ao lado de uma guerra da qual não escolheram fazer parte.
“Luces Brillantes” é um pouco sobre essa não escolha e sobre a ambiguidade que se faz presente no cotidiano de muitos latino-americanos. A guerra do tráfico de drogas, colocando ou não a legalização em pauta, é uma realidade. Dela, fazem parte centenas de famílias diretamente e outras centenas indiretamente. Se o curta-metragem começa como uma quase fábula, é como anúncio de tragédia que ele termina.
A tragédia anunciada no rádio, a princípio tão distante de Tomás, revela-se parte integrante de sua vida. Como imaginar o futuro dessa criança a partir do momento no qual a realidade interrompe qualquer narrativa ficcional possível?
Sergio Alejandro Gerber Bicecci consegue em poucos minutos nos levar da imaginação à crueza do cotidiano em uma obra que se mostra um dos mais potentes da Mostra.
Deixa (a todos nós), no entanto, a tarefa de construir uma outra possibilidade de realidade para nós, que já estamos um pouco calejados com o gosto amargo da tragédia, e para os que ainda terão alguns anos para vivenciá-la de perto (ou não, como pudemos – mais uma vez- sentir no Rio de Janeiro). É possível transformar?
O, ainda mais breve, “A Distância” vem pelos olhos da maturidade. Parecendo uma resposta à pergunta anterior, ele traz um pouco da fabulação de volta ao narrar o romance entre dois experientes adultos – que poderiam ser avós de Tomás – nos insinuando que há sempre mais para ver, ouvir, pensar e sentir. Talvez, nessa renovada possibilidade de amor em movimento, porém em permanente latência, possamos encontrar um espaço entre um filme e outro no qual ele mesmo – o amor -, a consciência e a coragem para mudar nos mobilize à uma transformação conjunta.
Faz parte de nossa (re)construção para as próximas décadas. Oxalá esse espaço seja reencontrado como no curta-metragem de Víctor Audiffred.
Ficha Técnica da Sessão México da Mostra Latino-Americana de Curtas:
Luces Brillantes (Sergio Alejandro Gerber Bicecci, 13′ – México, 2015)
Sinopse: Objetos luminosos e misteriosos aparecem todas as noites no céu da praia de San Andrés. Tomás descobrirá a origem deles e a relação que guardam com sua própria família.
A Distância (Víctor Audiffred, 5′ – México, 2017)
Sinopse: René oferece a Adela um valioso presente, que permitirá dizer a ela, à distância, quão grande é o seu amor.
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