Cine Ceará | Mostra Competitiva 04 de Curtas

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Identidades Reais

A Beleza de Rose Natal Portela Curta Cine Ceará Mostra Competitiva 04
A Beleza de Rose (Natal Portela)

A Mostra Competitiva 04 da sessão de curtas-metragens brasileiros do 30º Cine Ceará retomam a pauta identitária e reforça a necessidade de manutenção de uma constante busca pela dignidade. O filme que abre a sessão, “A Beleza de Rose“, de Natal Portela, não trata de um assunto novo no audiovisual. O empoderamento (sem problematizar a palavra, apenas a usando a título de referência imediata a quem lê) da mulher negra pelos cabelos e a resistência a partir da quebra do padrão imposto pela sociedade é revisitado desde que Yasmin Thayná ganhou o circuito dos festivais com “Kbela” (2015).

No último Oscar, essa leitura chegou a ser parte dos indicados a melhor curta-metragem de animação, com o bonito projeto de financiamento “Hair Love” (2019). Porém, a forma como Portela constrói a trama aqui é muito envolvente. Nos mostrando a protagonista apenas na metade da projeção, passamos com ela um longo e invasivo processo de seleção para um emprego que analisa os candidatos coletivamente.

Uma forma de deixar claro que a padronização é, sim, procurada – e as diversas formas de discriminação veladas serão aplicadas. Por isso, Rose já surge para nós analisando uma moça que a atende. Os cabelos alisados, a prova de que se submeteu à lógica racista do mercado.

Após isso, o curta-metragem se transforma em um exercício sobre a ansiedade daquela mulher, que aguarda o resultado da missão a qual se propôs naquela tarde, tal qual a Cléo de Varda. Até quando ela deveria se submeter à mesma lógica da mulher que cruza seu caminho? É aqui que o cineasta, fazendo um espelhamento narrativo usando o filho de Rose, nos mostra como a próxima geração tem tudo para, literalmente, quebrar essa lógica higienista – um grand finale, que rompe com a narrativa da loira apresentadora infantil e que permitirá a todos serem o que quiserem ser.

Inabitável Matheus Farias e Enock Carvalho Curta Cine Ceará
Inabitável (Matheus Farias e Enock Carvalho)

Inabitável” foi mais um grande trabalho que pudemos assistir no 48º Festival de Gramado (e você pode ler nossa análise original clicando neste link). Matheus Farias e Enock Carvalho também usam a pauta identitária como pano de fundo de uma obra com forte carga de suspense (como já haviam feito em “Caranguejo Rei“).

Rever sob essa perspectiva, já sabendo o que o processo de criação de expectativa que destacamos no texto original nos entregaria, permite um envolvimento ainda maior com Marilene, uma senhora que – a despeito do amor pela filha Roberta – também se habituou à submissão pela leitura tacanha com a qual a sociedade se vale para ser discriminatória com aqueles que rompem com o padrão imposto.

No meio de tantas produções (principalmente os longas do Cine Ceará) que tratam do afeto, das relações mais próximas, o filme da dupla cai como uma bomba e reforça ainda mais sua mensagem: cuide dos seus, procure saber como estão, o que pensa e pelo que passam aqueles que amam. Tenr uma olhar crítico sobre a sociedade na qual estamos inseridas é urgente para parar essa roda de opressão desenfreada que ameaça nos esmagar.

O Babado da Toinha Sérgio Bloch Curta Cine Ceará
O Babado da Toinha (Sérgio Bloch)

Já “O Babado da Toinha“, de Sergio Bloch, termina a Mostra Competitiva 04 com dois processos de conhecimento. Somos apresentados a uma baiana que, nas suas palavras, é “homem e mulher ao mesmo tempo”, em paralelo ao processo artesanal de produção de um acarajé totalmente natural – feito com azeite de dendê produzido desde a colheita do dendezeiro até a fritura com seu óleo mágico.

Durante toda essa feitura, Toinha divide conosco todas as formas de discriminação sofrida, principalmente por sua família. Ela se revela um verdadeiro pilar de resistência. Até hoje se envolve com o dourado do cozimento do dendê, a cor de Oxum.

Ali, na nossa frente, uma pessoa que ao mesmo tempo reflete a pauta identitária tão importante de ser dada voz e uma representante de uma das mais especiais manifestações culturais brasileiras. O que deveria ser uma personagem da série de programas “Na Boca do Povo” vira mais um curta-metragem com uma das grandes protagonistas do circuito de festivais de 2020.


Ficha Técnica da Mostra Competitiva 04:

A Beleza de Rose (Natal Portela, 2020 – Ceará, 20′)
Sinopse: Um dia na vida.
Inabitável (Matheus Farias e Enock Carvalho, 2020 – Pernambuco, 20′)
Sinopse: Pouco antes da pandemia, o mundo experimenta um fenômeno nunca antes visto. Marilene procura por sua filha Roberta, uma mulher trans que está desaparecida. Enquanto corre contra o tempo, ela descobre uma esperança para o futuro.
O Babado da Toinha (Sérgio Bloch, 2020 – Rio de Janeiro, 13′)
Sinopse: Que Toinha não é apenas uma baiana qualquer, isso fica evidente para quem a vê, pela primeira vez, atrás do seu tabuleiro. O que muitos nem desconfiam é que ela mesma é quem fabrica o dendê que utiliza no preparo do seu quitute. Ela sobe no coqueiro, derruba o cacho, cozinha os coquinhos, macera no pilão, e quando tudo vira uma pasta, ela separa o líquido do bagaço num longo processo manual. Daí ela volta a ferver o dendê e só então é que o óleo surge, como uma lâmina, por cima da água. A noite ela irá servir o bolinho generosamente recheado e embalado numa folha de bananeira, que Toinha mesma tira do pé e prepara no fogo. O negócio dá muito trabalho, mas quem se importa? – “Meu acarajé tem que ficar perfeito” – diz ela orgulhosa.

Assista ao debate sobre os filmes:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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