Tentehar: Arquitetura do Sensível

Tentehar Arquitetura do Sensível Paloma Rocha e Luís Abramo Documentário Crítica Pôster

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Sinopse: Durante o processo da eleição presidencial no Brasil, o filme investiga as seguintes questões: Vivemos uma crise civilizatória e do ponto de vista político o que restará de nós com os direitos humanos reduzidos pela miséria e o abandono? diante dos desastres ambientais e genocídios: quem são os civilizados? quem são os selvagens?
Direção: Paloma Rocha e Luís Abramo
Título Original: Tentehar: Arquitetura do Sensível
Gênero: Documentário
Duração: 1h 29min
País: Brasil

Tentehar Arquitetura do Sensível Paloma Rocha e Luís Abramo Documentário Crítica Imagem

Fragmentos da Sociedade

Tentehar: Arquitetura do Sensível” é mais um duro exercício de releitura de 2018, mais um ano que nunca terminará. Paloma Rocha e Luís Abramo, com a distância de quem já absorveu alguns dos insuperáveis traumas daquele período, apresentam na mostra competitiva nacional de longas do 15º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro um documentário de difícil montagem. Um filme que se propõe a atacar muitas frentes, a passear por espectros de uma sociedade que é polarizada somente na leitura da classe média e seus dilemas de fora da bolha. O Brasil, há muito, não é um país partido e sim dilacerado, fragmentado.

Um dos mais marcantes momentos da produção ocorrem quando ouvimos relatos de eleitores do Presidente Jair Bolsonaro. Há dois que se destacam e mostram como, para os cineastas, a imersão no que se propuseram nesta produção era um processo ininterrupto. Nas areias de Copacabana, no Rio de Janeiro, uma jornalista, em uma mistura de raiva por anos reprimida e desalento por fazer parte de mais uma carreira em extinção, vocifera contra seus colegas – todos esquerdistas e amantes do PT. Sua incapacidade de diferenciar Merval Pereira de Mino Carta se reflete na ideia de que Messias será, de fato, um messias. Por outro lado, enquanto os diretores se deslocam em um carro de aplicativo, o motorista (advogado que complementa a renda como Uber) – também eleitor de Bolsonaro – é a síntese do movimento antipolítico que tomou conta de uma importante parcela de votos que o elegeu.

A pluralidade de discursos dentro de um recorte de classe já seriam o suficiente para “Tentehar: Arquitetura do Sensível” ser um documentário de grande valor. Todavia, Paloma e Luís abrem bastante esse leque. Na Aldeia Araribóia no Estado do Maranhão, o etnocentrismo que deu requintes de crueldade ao genocídio indígena é observado na conotação pejorativa com a qual “civilizado” passou a ser lido, acertadamente, pela visão relativista das ciências sociais contemporâneas. No coração da cidade de São Paulo, o tratamento humilhante com o qual o, então, Prefeito João Dória dispensou às pessoas em situação de rua nos faz lembrar como a direita se uniu para eleger o protofascismo.

Cortando para 2020, muitos se encantam pela nova polarização provocada pela forma como o, agora, Governador João Dória, atuou nas políticas públicas de combate ao novo coronavírus – em oposição à letargia genocida de Bolsonaro. Todavia, em 2018, o Bolsodória era a prova de que o neoliberalismo não se importava tanto assim com a perda de vidas – se isso gerasse a destruição das pautas sociais que prejudicam os seus negócios.

Desta maneira, o documentário vai criando conexões entre os discursos dos invisibilizados e da parcela hegemônica, afetada por avanços que tornaram a sociedade brasileira (apenas um pouco) mais justa e igualitária no período anterior a 2016. É a jornalista e o advogado rancorosos ou descrentes – porém, de certa forma humanizados a partir da identificação de uma edição que os coloca em igualdade de discursos. A abordagem do filme segue, desde o acampamento Lula Livre em Curitiba até o que sobrou da tragédia de Brumadinho em Minas Gerais.

Essa amplitude que está longe de ser generalista (pelo contrário, é bastante profícua) pode ser recebido como cidadão em formação crítica como obra fundamental para se entender o período em que estamos passando. Outro dia lembrei da importância de “Utopia e Barbárie” (2009), documentário de Silvio Tendler, nas minhas percepções sobre um período em que – visto com distanciamento histórico – parecíamos nadar em um mar de rosas. Quem lê nossos textos na Apostila de Cinema sabe o que nos tornamos. Torcermos, então, para que “Tentehar: Arquitetura do Sensível” chegue a todos – principalmente aqueles que, movidos mais pela desesperança do que pelo ódio, resgatem alguma humanidade perdida dentro de si e depositem seu voto de outra maneira daqui a dois anos.

Veja o trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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