Nheengatu: A Língua da Amazônia

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Sinopse: Ao longo de uma viagem no alto Rio Negro, na Amazônia profunda, o diretor busca uma língua imposta aos índios pelos antigos colonizadores. Através desta língua misturada, o Nheengatu, e dividindo a filmagem com a população local, o filme se constrói no encontro de dois mundos.
Direção: José Barahona
Título Original: Nheengatu: A Língua da Amazônia (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 54min
País: Brasil | Portugal

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A Utopia dos Símbolos

Nheengatu: A Língua da Amazônia” é um documentário que trata dos desafios de se extrair uma verdade mais pura em narrativas de um gênero que, quando aplica um olhar demasiadamente afastado de determinado grupo, tende a a fazer trocas limitadas. O diretor José Barahona, por exemplo, carrega consigo rosto e sotaque dos colonizadores deste território. Adentrar espaços que já foram ocupados com políticas destruidoras em outros tempos requer a aplicação de autocrítica prévia, além do óbvio respeito com quem se quer biografar, Ele, então, se desloca para o alto do Rio Negro na Amazônia a fim de produzir um filme com um recorte específico: registrar as relações atuais envolvendo o idioma nheengatu, de matriz tupi.

O cineasta inicia sua trajetória resgatando vídeos e fotografias antigas, um exercício tão bem realizado quanto o documentário “Segredos de Putumayo“, em que Aurelio Michelis revista as pesquisas de campo de Roger Casement. A dinâmica da língua, que já apresenta forte influência do português, também nos remete a forma como “Portuñol“, documentário vencedor do Festival de Gramado deste ano, se estabelece. Todavia, a impressão nesse início é que o próprio Barahona não parece satisfeito com as representações que consegue captar.

Com isso, “Nheengatu: A Língua da Amazônia” estende seu tempo de projeção, para quase duas horas. Há uma forma de imersão forçada pela edição, que ganha sentido com as transformações da narrativa do filme. Talvez, se fosse, dinâmico, soaria tão falso quanto a maneira como os membros daquela comunidade mostram, quase como se diante de curiosos turistas, como fazem coisas simples do seu cotidiano. O pano de fundo do longa-metragem faria com que ele jamais se limitasse ao estudo de uma língua em extinção. Porém, para alcançar essas leituras, era imperioso que uma não-interação com a câmera acontecesse. Aliás, no audiovisual atual, precisa até mais do que isso.

Ao passar por um segundo estágio, o ar de entrevista fica mais sutil, o espectador finalmente parece se sentir observando aquelas pessoas. É a fase mais interessante do filme. Principalmente no que diz respeito às dinâmicas em relação à fé, seja a partir de uma Bíblia traduzida para nheengatu ou até mesmo pelos exemplos de convertidos às religiões neopentecostais. Os povos originários sempre viveram constantes processos de genocídio e cooptação, como se fossem essas as opções. Isso me fez lembrar de uma leitura de capítulo de “O Povo Brasileiro” de Darcy Ribeiro na graduação em que, na minha mania incontrolável de provocar, questionei se os avanços sociais brasileiros não nos levaria – em algum momento – a rever todos os nossos símbolos: da bandeira ao idioma.

A ascensão ao Poder da mesma casta de privilegiados que nos comanda há mais de cinco séculos tornou essa inocente percepção de alguns anos uma utopia inquestionável. Curiosamente, a professora assim o tratou desde aquela época. Em certo momento do filme, há o registro do pessimismo de um “governo que quer nos vender“, nas palavras deles. Ao assistir ao documentário, essa absorção da simbologia brasileira (no que há de mais danoso e moldante) é observada naquela sociedade. Barahona só alcança essas questões quando ultrapassa as barreiras do estranhamento e da curiosidade. Já os indígenas, não se dão conta de como essa cultura está incrustrada a ponto de não trata-las como objeto de leituras sobre si.

Mas, como dizemos, o audiovisual atual precisa mais do que esse observador participante como agente de produção de um documentário. Em um momento em que a representatividade ganha cada vez mais relevância, a contribuição do cineasta passa dividir o próprio fazer com pessoas do grupo. Ao entender como encerrado o debate quando os entrevistados refletem sobre os avanços, mesmo que pequenos, da Era Lula (principalmente em relação à saúde pública), o diretor deixa nas mãos deles as produções das próprias imagens. Uma conclusão que que faz com que “Nheengatu: A Língua da Amazônia” entregue não apenas um verdadeiro olhar de uma comunidade – mas também a manifestação espontânea do idioma ao qual se propôs a registrar.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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