Quebra Tudo: A História do Rock na América Latina

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Críticas e playlists exclusivas sobre Quebra Tudo, nova série documental da Netflix.

Quebra Tudo: A História do Rock na América Latina | Crítica Netflix

Sinopse: Em “Quebra Tudo”, bandas como Soda Stereo, Café Tacvba e Aterciopelados estão nesta história de 50 anos do rock na América Latina, em maio a ditaduras, desastres e controvérsias
Criação: Nicolás Entel
Direção: Picky Talarico
Título Original: Rompan todo: La Historia del Rock en América Latina (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 4h 55min (dividido em seis episódios)
País: Argentina

Quebra Tudo: A História do Rock na América Latina Netflix

Los Origenes

Quebra Tudo: A História do Rock na América Latina“, produção da Netflix com a Red Creek, estreou no dia 16 de dezembro trazendo em seis episódios o nascimento e a atualidade do rock no continente.

Podemos dizer que a série dirigida por Picky Talarico é dividida em três partes e aqui abordaremos os dois primeiros episódios: “Grito de Rebeldia” e “A Repressão“. Com duração de 45 minutos, a série é inaugurada por uma recordação dos primeiros grupos de rock que se originaram principalmente nas capitais latino-americanas. Inicialmente fazendo traduções de bandas como Beatles , o boom foi quase instantâneo.

Ao começar com Ricthie Valens, no entanto, Talarico invoca aquele que foi o primeiro a trazer o estilo musical para os holofotes latinos. Além de sua figura peculiar, Valens carregava uma espécie de aura transgressora típica dos ícones do rock. Ainda que nesse primeiro momento estejamos falando de um rock mais suave, que poderia ser complementado pelos movimentos de quadris, mas não pelas guitarras impelidas ao chão, vemos em Ritchie e nos grupos Los Teen Tops, Los Rebeldes del Rock, Los Spitfires (comandado pela musa Julissa) e Los Hooligans, somente para citar alguns, a tal atitude sobre a qual muitos dos entrevistados falam.

Esse, aliás, é um dos pontos fortes da série. Ao conseguir reunir os maiores nomes vivos do estilo ou suas reverberações na América Latina, “Quebra Tudo“, é um verdadeiro documento audiovisual que traz o rock não somente como um estilo musical, mas como movimento. Julia Molina e Rubén Rada são exemplos de artistas que fazem seus depoimentos ressaltando a mescla única que se desenvolve na Argentina, México e Uruguai, além dos demais países da região.

Assim, acompanhamos esse ritmo mais dançante ser substituído por outro, de protesto, com a marca do Festival Avándaro, considerado um Woodstock latino. A reunião de mais de 250 mil jovens em um ambiente festivo, porém transgressor, chamou a atenção das autoridades que começaram a perseguir o movimento, agora nos anos 1970 já mais com uma cara hippie. O festival data de 1971 e, como sabemos, os governos ditatoriais começaram a pipocar pelo território a partir de 1964 com o golpe civil-militar no Brasil. Se o primeiro episódio acaba com o lirismo tangueado de Luiz Alberto Spinetta, nesse segundo podemos ver a repressão tomar o espaço de reuniões e concerto de jovens.

Agora vigiados, muitos precisam partir em exílio para outros países. É nesse contexto que nasce a espetacular Seru Giran com Charly García, David Lebón, Pedro Aznar e Oscar Moro. Só essa informação seria suficiente para entendermos a magnitude da banda, mas eles avançam em questões performáticas, melódicas e, com letras potentes – inicialmente não compreendidas, tomam conta de uma parte do movimento que havia sido esvaziado pela repressão. A partir do início dos anos 1970 é compreensível que a música de protesto tenha ganhado proporções gigantescas.

Combinando o desenvolvimento do ritmo, a trajetória das bandas e a própria história política da América Latina, “Quebra Tudo” consegue mesmo com uma roupagem bem tradicional, trazer o sentimento particular dos solos de guitarra que, nessas terras, ganharam a companhia da música folclórica e andina, além de letras que só poderiam ter sido escritas por uma certa melancolia poética que nos constitui.

Assista à playlist com artistas dos episódios 1 e 2:

Lista de Episódios:
Ep. 1: Grito de Rebeldia (45min)
Ep. 2: A Repressão (52min)

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Neon, Punk e Metal: Uma sonoridade latina

Nos episódios 3 e 4 da série “Quebra Tudo: A história do Rock na América Latina“, o contexto político pelo qual passavam os países do continente é vivamente explorado. Abordando a queda do regime ditatorial ao longo dos anos 1980, “Música em Cores” começa com a necessidade de se cantar a liberdade. O tom fúnebre é substituído por canções mais animadas tanto em suas sonoridades quanto em suas letras. Mas esse é um segundo momento.

No início da década de 80, o que vemos é o florescimento do punk rock e do new wave com bandas como Wet Picnic, Los Violadores (de Enrique Chalar/Pil Trafa) e uma série de outras inspiradas pelo boom dos Sex Pistols e dos Ramones. Inicialmente cantando em inglês, essas bandas demoram um pouco para encontrar o tom do punk rock hispanohablante. O tom de rebeldia e oposição ao governo imposto, no entanto, permanece como tatuagem e marca dessas bandas em territórios latinos.

Em meio ao surgimento de uma contracultura local e uma crescente pressão popular, a Guerra das Malvinas surge como último suspiro da Ditadura Militar na Argentina. Essa cai em 1983. Depois dela, um a um, os regimes ditatoriais lhe seguem. Há, então, um movimento de celebração que busca uma visão crítica, porém menos soturna. Nesse momento, surgem bandas como Virus, que teve sua consagração no Prima Rock, festival realizado em Ezeiza e que revelou inúmeras bandas.

Enquanto acompanhamos essas posturas espelhadas de contestação a partir da música, o episódio também rememora locais clássicos como o Café Einstein no qual se reuniam as bandas alternativas da Argentina e o surgimento do fenômeno Soda Estereo.

A banda que teve (e tem) muito sucesso por todo continente, impulsiona uma série de bandas a pensar no mercado musical de maneira mais profissional. É como se a Soda tivesse aberto espaço para que Maná e Café Tacvba pudessem surgir depois. Por isso, é justo um certo protagonismo que podemos notar nesses dois episódios. Ainda assim, Música em Cores consegue abordar o surgimento de uma série de bandas que traduzem a experiência dos anos 80 em sua ambiguidade. Celebração e Ironia. Los Abuelos de la Nada (da qual fazia parte Andres Calamaro) , Los Twist, Viudas e Hijas del Rock N´Rooll e a figura mítica de Pipo Cipolatti.

O quarto episódio, “Rock No seu Idioma“, aborda justamente o nascimento e crescimento do selo de mesmo nome. Tocado pelo argentino Oscar López, que viajava por outros países procurando possíveis estrelas do rock em todas suas vertentes, o selo cresce como uma aposta em uma arte que agora tem grandes produtoras a seu lado. É preciso lembrar, como destaca a própria série, que a Soda Stereo teve investimento massivo da Sony. Isso não é visto como negativo, mas certamente foi essencial para o rápido reconhecimento.

Dessa onda nascem a Caifanes – com a proposta de de trazer ritmos como a cumbia para dialogar com o rock, Los Toreros Muertos, Maldita Vecindad y los Hijos del Quinto Patio – pensando em um rock de barrio – e outras angariadas pela força de López.

Há ainda que se pensar no hard rock de Parabellum e La Pestilência que, em um primeiro momento poderia, de fato, soar estranho para quem estava acostumado a somente ouvir o ritmo em inglês, mas ganha espaço e firma uma nova possibilidade para as bandas do território.

O episódio somente anuncia o surgimento da mexicana Café Tacvba (a banda teve início em 1989). Por enquanto, podemos dizer que Talarico fez um bom trabalho ao unir o contexto social e político no qual está inserido o surgimento do rock enquanto movimento e estilo de vida na América Latina. ¡Que vengan los noventa!

Assista à playlist com artistas dos episódios 3 e 4:

Lista de Episódios:
Ep. 3: Música em Cores (47min)
Ep. 4: Rock no seu Idioma (45min)

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Gloriosos na Música, Decadentes na Política

Em um momento no qual os grandes chefes de Estado pareciam viver um delírio pueril ou mal-intencionado, vimos países latino-americanos afundados em dívidas e dolarização da moeda local. Se na figura de um aparentemente dopado Menem ou de um entusiasmado Salinas, pouco importa. O que dá tom ao início dos anos 1990 é a população na miséria e uma negação dos governantes e dos setores mais altos da economia que precisam se render quando as máscaras e as cortinas se tornam pequenas demais para esconder as ruínas vivas da má administração. Talvez o momento emblemático tenha sido a imagem de Fernando de La Rúa, então presidente da Argentina, fugindo em um helicóptero.

2001 foi o ano de ruptura com o emblemático voo e o episódio “Um Continente” traz isso. Porém a crise já vinha de antes e se agravou posteriormente. Enquanto a chegada da MTV Latina em 1994 no continente possibilitou que as bandas intercambiassem seus sons e ideias de maneira mais rápida, ela também gerou grandes forças que implodiram as demarcações territoriais.

Café Tacvba, Andres Calamaro, Aterciopelados, Tijuana No! e Babasónicos eram latinos. É evidente que cada um trazia consigo a sonoridade de seu país, mas a latinidade parecia ter tomado conta do rock de maneira incontrolável (e extasiante).

Como sabemos que por aqui há que se esperar para ver os resultados, o selo Culebra da BMG que distribuía grande parte dessas bandas para os outros países quebra com a crise econômica. Ainda assim, vemos uma nova onda florescer.

As músicas de protesto agora retornam mais agressivas e diretas. A ditadura acabou? Nossos corpos têm garantias mínimas de sobrevivência? Com a irreverência de Illya Kuryaki & The Valderramas ou a vigorosa guitarra de Ekhymosis, a política volta ao centro da questão (e será que no rock ela deixa em algum momento de o ser?). Há que se falar ainda da entidade Indio da banda Los Redondos, que com mistério e música boa movimenta milhares de fãs pelo país gerando uma espécie de transe coletiva.

Todas essas figuras andróginas, sensoriais impulsionadas pela abrangência da MTV Latina, preparam o terreno para o rock que se inicia a partir de meados dos 00.

Assista à playlist com artistas do episódio 5:

Lista de Episódios:
Ep. 5: Um Continente (55min)

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¿ Qué Passa con el Rock Latino?

Último episódio da série, “A Nova Era” traz muitas novidades. A começar pela crescente inclusão e destaque de mulheres no cenário. As já conhecidas Julieta Venegas, Catalina García e surgem cada vez mais potentes após a trágica morte de Santa Sabina, cantora mexicana de figura única, que infelizmente morreu jovem em decorrência de um câncer.

Outro episódio que marcou negativamente a época foi o incidente no show dos Callejeros na casa de shows Repúlbica Cromanón que resultou em diversas mortes.

Além do trauma, diversas casas fecharam na Argentina e o cenário precisou se reconstruir em tempos de crise. Assim, a música eletrônica surge como uma espécie de renovação em um espaço um pouco saturado por concertos gigantescos e ídolos ,talvez, grandiosos demais para a responsabilidade que lhes era imposta.

A banda mexicana Zoé, que já vinha flertando com a música eletrônica, assume de vez a sonoridade e com ela, podemos ver o nascimento de Nortec Collectividad, Bomba Stério, Bajo Fondo e a força cósmica que é Residente, à frente do Calle 13. Todas essas bandas são mesclas de ritmos locais como reggaetón, cumbia, tango, merengue, salsa, rock e, algumas vezes, hip hop.

Uma marca definidora de uma Nova Era, como propõe o título do episódio, é a morte de Gustavo Cerati, que após fazer um show de despedida com a Soda Stereo em 1997, vinha do lançamento de dois discos solos de sucesso extremamente diferentes entre si, mas igualmente pungente – e aqui utilizo a palavra em sua ambiguidade, de dor e incorporação.

Ahí Vamos e Fuerza Natural encerram lindamente a carreira de Cerati, que teria muito a contribuir, mas deixa vago um espaço que talvez ainda não tenha sido ocupado ( e ,talvez, nunca o seja). É preciso dizer que, nesse último episódio, “Quebra Tudo” se retrata – um pouco – com as mulheres do rock latino mostrando a importância das bandas com vocalistas mulheres ou suas carreiras solos.

Algo que fica da série é que nossa capacidade de reconstrução dá-se também nos setores artísticos, como o corre no cinema, por exemplo. A versatilidade e uma certa capacidade de reunir ritmos que, inicialmente, não funcionaram dão um frescor especial ao nosso rock. O outro ensinamento é: “O FUTURO DO ROCK LATINO É FEMININO”. Por mais Natálias, Julietas e Andreas. Estamos prontxs.

Assista à playlist com artistas do episódio 6:

Lista de Episódios:
Ep. 6: A Nova Era (51min)

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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